Efeito Heisenberg da mídia destrói futebol brasileiro
Escrito por: Wilson Roberto Vieira Ferreira
Fonte: Cinegnose
Fonte: Cinegnose
Depois de um ano do histórico vexame de 7 X 1 contra a Alemanha na Copa
do Mundo o cenário do futebol brasileiro é de decadência técnica e
financeira com um ex-presidente da CBF preso pelo FBI, estádios vazios
em um campeonato longo e desinteressante sob o rígido controle do
monopólio midiático das Organizações Globo. A imposição de datas,
horários dos jogos, fórmulas de campeonatos de acordo com os interesses
comerciais da emissora é apenas a superfície da questão. Mais do que
isso, a própria transformação do futebol brasileiro à imagem e
semelhança da linguagem do telejornalismo da TV Globo está destruindo a
qualidade do próprio produto que ela pretende vender. É o chamado
“Efeito Heisenberg”, efeito midiático das coberturas extensivas onde as
mídias não retratam mais realidades, mas a si mesmas e o impacto delas
sobre os fatos.
Nesses últimos dias a grande mídia nos lembrou por matérias especiais
que há um ano o futebol brasileiro sofreu uma das suas maiores
humilhações: a derrota de 7 X 1 contra a Alemanha em uma edição da Copa
do Mundo realizada no próprio País. Um ano depois, temos um
ex-presidente da CBF preso pelo FBI na Suíça à espera de extradição, um
campeonato brasileiro acontecendo em estádios vazios com jogos de
qualidade técnica em rápido declínio e a progressiva queda de audiência
dos jogos televisionados pela TV Globo.
Esse blog que lida, entre outros temas, com as conexões entre semiótica
e sincromisticismo, sabe que quando eventos se tornam bizarros ou
anômalos como a acachapante goleada de 7 X 1 deixam de ser meros eventos
para tornarem-se sintomas. Naquela oportunidade, o Cinegnose encontrou
dois fatores extra-campo que explicariam a anomalia: o chamado “Efeito
Heisenberg” midiático e a condição esquizofrênica da grande mídia – clique aqui.
A condição esquizofrênica da grande mídia pode ser resumida da seguinte
maneira: tentava faturar publicitariamente com a Copa do Mundo e ao
mesmo tempo, na condição de principal instrumento de oposição ao Governo
Federal, esperava uma “bala de prata” que inviabilizasse ou
desmoralizasse o evento.
Mas o fator de longo prazo é o Efeito Heisenberg, conceito criado por
Neal Glaber para designar o efeito secundário das coberturas midiáticas:
se o principal efeito da onipresença das mídias é transformar quase
tudo que é noticiado em entretenimento, o efeito secundário é forçar
quase tudo a se transformar em entretenimento para atrair a atenção da
mídia – sobre isso clique aqui.
O termo “Efeito Heisenberg” é uma referência ao princípio da incerteza
da mecânica quântica de Werner Heisenberg (1901-1976): quando se tenta
estudar uma partícula atômica, a medição da posição necessariamente
perturba o momentum de uma partícula. Em outras palavras, Heisenberg
queria dizer que você não pode observar uma coisa sem influenciá-la. De
forma análoga, a mídia não consegue cobrir um evento sem também
influenciá-lo.
As mídias não estão mais relatando o que as pessoas fazem. Estão
relatando o que elas fazem para chamar a atenção das mídias. Na medida
em que os fatos acontecem para as mídias, elas estão cada vez mais
cobrindo a si mesmas e o impacto sobre os fatos.
Efeito Heisenberg no esporte
O semiólogo italiano Umberto Eco já havia observado o início desse
fenômeno no futebol – o fato de saber que será transmitido influencia na
sua preparação: a passagem da velha bola de couro cru para a bola
televisiva xadrez ou a troca dos uniformes por motivos cromáticos
perceptivos seriam alguns exemplos – leia ECO, Umberto, “Tevê: A
Transparência Perdida” In: Viagens na Irrealidade Cotidiana, R. Janeiro:
Nova Fronteira, 1984 .
Mas com o passar do tempo, as transmissões esportivas extensivas das
TVs cobraram um alto preço para o esporte: de jornadas esportivas ou
realidades extra-televisivas passaram a ser conteúdos gerados pelas
próprias emissoras de TV. Em outras palavras, as mídias não se
contentaram mais em apenas transmitir. Passaram a ser produtoras ou
donas dos eventos para que estes se ajustassem ao timing dos negócios.
Veja por exemplo o caso do tênis. Esporte cujas origens são pastorais e
contemplativas, teve suas regras alteradas para se adequar à sintaxe
televisiva com a adoção do tie braker para a diminuição do tempo dos
games e a punição para o jogador que excede o tempo limite entre os
pontos. Ou seja, encaixar as partidas ao tempo limitado da grade
televisiva.
Mas no caso do futebol brasileiro o efeito Heisenberg torna-se mais
deletério com o fator do monopólio televisivo da Globo – a emissora
detém a exclusividade nos direitos de transmissão nas TVs aberta,
fechada, pay-per-view, comercialização de placas de publicidade,
telefonia celular, promoções atreladas ao Brasileirão etc. Isso sem
falar no vôlei (o departamento de Marketing da emissora comercializa
contratos de patrocínio) e no basquete – a Globo é sócia do Novo
Basquete Brasil (NBB).
A imposição de datas, horários dos jogos, fórmulas de campeonatos de
acordo com os interesses comerciais da emissora é apenas a superfície da
questão. Mais do que isso, a própria transformação do futebol
brasileiro à imagem e semelhança da sintaxe televisiva global está
destruindo a qualidade do produto de entretenimento que ela pretende
vender.
A goleada imposta pelo Barcelona ao Santos na final do Mundial de
Clubes em 2011 (4x0) foi apenas um sinal dessa decadência técnica cujo
ápice seria o vexame da Copa do Mundo. Saudado como a renovação do
futebol brasileiro com Neymar e Ganso e comandado pelo técnico Muricy
Ramalho que supostamente estaria seguindo os passos de Telê Santana, o
Santos caiu apático, sem luta e sem jogar futebol.
Efeito Heisenberg e a decadência técnica do futebol
Em primeiro lugar, o Efeito Heisenberg transforma o futebol em
entretenimento. E pela linguagem tautista da TV Globo significa
enquadrar o futebol a um jornalismo esportivo que vive sempre em busca
de novos personagens. A promoção de novos “craques” ou jogadores
exóticos, frasistas ou com ótimo rendimento nas entrevistas surge com a
mesma velocidade com que empresários querem vender jogadores para a
Europa – e a promoção televisiva de novos “personagens” vem a calhar
para incrementar visibilidade ao atleta.
A consciência que o jogador desenvolve de que atua em um ambiente
altamente midiatizado abandonou a época folclórica das comemorações de
gol engraçadas para atrair as câmeras: agora os jogadores temem o drible
e a posse da bola – um possível desarme ou lance fracassado será
repercutido em slow motion.
Torna-se imperativo passar rapidamente a bola, dar chutões, fazer
ligações direta da defesa para o ataque. Velhos meio campistas como
Gerson, Ailton Lira ou Rivelino que detinham a bola e pensavam no jogo,
dá lugar para a correria de jogadores que querem se desfazer da bola o
mais rápido possível.
Por isso jogar futebol para a TV passa a ser um espetáculo de
chuveirinhos, chutões, carrinhos e um show de reclamações contra
árbitros e constantes trejeitos de “não deu” a cada chute em direção ao
gol que lança a bola em órbita – afinal os jogadores sabem que suas
fisionomias serão vistas em close.
Nesse ambiente televisionado o jogador que arrisque dar dribles e
chamar o jogo para si só poderá ser visto como uma ofensa contra os
colegas de profissão: será imediatamente punido com um carrinho
demolidor ou com comentaristas acusando o infeliz de “não jogar pra
frente”.
O tédio diante dos chutões e correrias cria até situações
involuntariamente hilárias na grande mídia. Por exemplo, no intervalo de
mais um jogo horrível e entediante do Brasileirão, o comentarista da
SporTV Lédio Carmona não se conteve e, irritado, disse que não via nada
de bom na partida: só chutões e passes errados. Desconcertado, o
narrador Luiz Carlos Junior tentou consertar falando em “ver o lado
positivo do jogo” e cortando para outro comentarista no estúdio.
Certamente Carmona estava desestimulando a já parca audiência a assistir
ao segundo tempo...
Nesse novo cenário de correria, chutões e ligações diretas para o
ataque, o condicionamento físico do árbitro será mais exigido. Os
antigos árbitros vestidos de preto ostentando até barriguinhas (o olhar e
conhecimento das regras eram mais importantes) foram substituídos por
árbitros fisicamente bem condicionados e ostentando corpos sarados e
jovens – afinal, eles também ostentam marcas publicitárias. Não é à toa
que junto com o futebol, decai a qualidade técnica da arbitragem: a
correria é mais importante do que a interpretação das regras.
Estratégias Indiretas das Relações Públicas e Publicidade
Juntamente com Efeito Heisenberg vem as chamadas “estratégias
indiretas”, conceito criado pelo historiador Daniel Boorstin sobre a era
da hegemonia das Relações Públicas e Publicidade: quando tudo deve se
tornar entretenimento para chamar a atenção da mídia, disso decorre que
todo problema real poderia ser solucionado por meio de uma “estratégia
indireta” – deve ser criada através da imagem uma impressão de que o
problema está sendo solucionado. Mais do que solucionar problemas, é
mais importante criar a percepção de que está sendo solucionado.
Diante do esvaziamento técnico e financeiro do Brasileirão, Globo e CBF
respondem através da imagem – tenta-se nos jogos criar uma “atmosfera”
que lembre jogos da Copa do Mundo ou da Champions League: protocolos
para o início dos jogos com hino nacional e o árbitro pegando a bola do
campeonato colocada em pedestal no final do túnel por onde entram os
jogadores perfilados, com direito a close da câmera.
As arenas (legado da Copa no Brasil) com suas cadeiras coloridas e
iluminação feérica disfarçam o vazio das arquibancadas. E o microfone
aberto do boom operator ao lado do campo de jogo amplifica gritos dos
técnicos, jogadores e torcedores profissionais junto ao gramado,
tentando criar a sensação de uma partida tensa e dramática.
Algo parecido ocorre no chamado Novo Basquete Brasil onde a Globo tenta
emular a Liga de Basquete Norte-americana: placar eletrônico suspenso
no centro da quadra, mascotes saltitando e shows de cantores no
intervalo etc. Enquanto isso, o basquete brasileiro vive sua longa
agonia técnica.
Concluindo, o Efeito Heisenberg é uma histórica consequência da
onipresença midiática na sociedade, mas no Brasil esse efeito torna-se
exponencial com o monopólio global de comunicações. Até o ponto
irracional onde o próprio monopólio mata a sua galinha dos ovos de ouro:
o futebol brasileiro.
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