O Senador José Serra e a entrega do Pré-Sal
Por Pedro Celestino Pereira
Cabe
registrar a disposição do nobre senador José Serra de, finalmente,
oferecer à opinião pública as razões que o fizeram apresentar o PL 131,
que retira a obrigatoriedade de a Petrobras ser a operadora única dos
campos do pré-sal. O debate de idéias em termos elevados é intrínseco à
democracia. É pena, entretanto, que tal disposição só tenha se
manifestado após 46 senadores terem rejeitado o pedido de urgência para a
tramitação do seu projeto; caso o houvessem aprovado, a deliberação
sobre assunto de vital interesse para o país seria tomada sem discussão.
É que o senador considera o petróleo uma commodity,
e não um insumo estratégico para o Brasil. Não vê, ou não quer ver, que
o controle do petróleo é, e continuará a ser nas próximas décadas, o
pano de fundo dos principais conflitos geopolíticos mundiais.
Considere-se, por exemplo, o cenário antevisto pela AIE - Agência Internacional de Energia, que prevê que:
a)
a produção mundial de petróleo continuará a crescer, passando dos
atuais 85 milhões de barris/dia para quase 100 milhões de barris/dia em
2035;
b)
os campos produtores atuais atingiram seu pico de produção (65 milhões
de barris/dia) em 2007/2008, entrando em declínio desde a partir daí;
c)
em 2035 cerca de 38 milhões de barris/dia serão produzidos por campos
já descobertos, (mas não em produção) por campos novos a serem
descobertos.
Resultado
deste cenário: a ampliação do estoque de reservas para futura produção
de petróleo continuará a ser o principal objetivo das petrolíferas
privadas mundiais (Shell, Exxon, Chevron, BP e Total). E quando se fala
de petróleo, área em que os projetos são de longa maturação, pois
envolvem largo espectro de riscos e incertezas, assenhorear-se de áreas
já descobertas, em que tais imprevisibilidades sejam minimizadas,
torna-se objetivo prioritário dessas empresas. Não foi outro o motivo
que levou recentemente a Shell a comprar a BG. Segundo o seu presidente a
Shell, ao adquirir a BG, aumentará nos próximos 5 anos a produção de
petróleo no Brasil, dos atuais 100 mil barris/dia para 500 mil
barris/dia. Com isso, 20% da sua produção mundial sairá do Brasil.
No
planeta, nos últimos 30 anos, a maior descoberta de petróleo foi a do
pré-sal brasileiro, com reservatórios a exibir níveis de produtividade
incomuns (poços que produzem mais de 20 mil barris/dia), com baixo
custo de extração (US$ 9,00/barril, segundo a Petrobrás). Esta é a razão
do desesperado interesse das petrolíferas privadas mundiais no nosso
pré-sal.
Qualquer
empresa petrolífera preocupa-se simultaneamente com o aumento da
produção e o aumento das reservas. Se é a produção que sustenta
financeiramente a empresa, são as reservas que propiciam o lastro
econômico que, por sua vez, promove a sustentabilidade do seu futuro. A
produção dos campos produtores decai em média 10% ao ano e as reservas
se esgotam rapidamente, por isso a atividade de exploração e produção
(E&P) é tão frenética na busca de novas reservas.
No
Brasil, após a quebra do monopólio estatal do petróleo em 1997, a
estratégia das petrolíferas privadas mundiais foi a de aguardar os
resultados dos esforços exploratórios – como se sabe, carregados de
riscos e incertezas – da Petrobrás, para aí sim, sem risco exploratório
algum, adquirir as áreas promissoras, em leilões promovidos pela ANP,
agência cada vez mais capturada por interesses privados. Basta dizer que
sua diretora-geral defende a revisão da Lei da Partilha. Não por acaso,
a ANP é tão cara ao senador Serra, desde o tempo de David Zylberstajn, o
competente genro de FHC.
O
modelo de partilha foi adotado para assegurar ao país ganhos maiores,
em áreas de risco exploratório muito baixo, como é o caso do pré-sal. Ao
propor que a Petrobrás deixe de ser a operadora única do pré-sal, o
senador Serra presta um serviço às petrolíferas privadas mundiais. É da
entrega do nosso petróleo, é disto que se trata, o que não é novidade.
Basta recordar o que ocorreu após a quebra do monopólio da Petrobrás.
Para atrair as empresas estrangeiras, determinou-se irresponsavelmente à
Petrobrás reduzir a aquisição de blocos para explorar, descobrir e
produzir petróleo nas rodadas I, II, III e IV (esta em 2002). Se essa
diretriz não fosse revertida a partir de 2003 com a retomada da
aquisição de blocos nas rodadas seguintes, a partir de 2008 a Petrobrás
não teria mais onde explorar em território brasileiro, comprometendo o
seu futuro como empresa petrolífera.
O
aumento constante das reservas e da produção a partir de 2003 decorreu
da forte retomada dos investimentos em E&P e da decisão de abandonar
a política de concentração dos investimentos na Bacia de Campos, com
grande produção, mas com declínio de produção já à vista (sucediam-se os
poços exploratórios secos perfurados). Essa inflexão permitiu que as
sondas fossem espalhadas pelas bacias do Espírito Santo, Santos e
Sergipe, que propiciaram, a partir de 2003, as grandes descobertas e o
crescimento efetivo das reservas e da produção, processo que culminou
com a descoberta do pré-sal em 2006. É bom lembrar que essas bacias
tinham sido praticamente abandonadas nos anos anteriores, para permitir a
entrada das empresas estrangeiras.
Se
a Petrobrás continuasse concentrada na Bacia de Campos – a empresa
abandonara investimentos em áreas novas – aí sim, teria sido
transformada em uma empresa petrolífera sem qualquer sustentabilidade
financeira, a curto prazo, e econômica, a longo prazo.
O
aumento da produção foi extraordinário a partir de 2003. Extraordinária
também foi a elevação das reservas. Apesar dos desmandos, a Petrobras
passou a ser a melhor, a mais eficaz e, economicamente, a mais
sustentável a longo prazo das grandes empresas petrolíferas mundiais.
Definitivamente não está, como diz o senador Serra, “quase arruinada”.
O
senador Serra critica o endividamento da Petrobrás, segundo ele quase 6
vezes maior que o endividamento médio das petrolíferas. Para não
questionar números, pois caberia argüir a que universo de empresas
corresponderia a média por ele citada, basta dizer que há petrolíferas
de inúmeros tipos, tamanhos/dimensões e missões/objetivos empresariais.
As estatais do Oriente Médio, por exemplo, têm endividamento baixíssimo,
pois produzem em campos terrestres, de geologia bem conhecida; já as
petrolíferas privadas mundiais têm reservas e produção cadentes há anos,
o que em contrapartida lhes permitiu acumular recursos financeiros para
adquirir reservas mundo a fora, o que lhes seria permitido aqui, caso o
projeto do senador Serra fosse aprovado. Nenhuma delas é como a
Petrobrás, detentora de reservas totais de petróleo crescentes, que
beiram os 30 bilhões de barris, que conta com um corpo técnico
reconhecido como entre os melhores e mais bem capacitados – senão o
melhor – dentre todas as petrolíferas, que detém tecnologia integral
para não só produzir suas reservas de petróleo, como para avançar
continuamente no domínio tecnológico, e que apresenta a mais segura e
eficaz competência operacional do mundo para produzir em águas ultra
profundas, como as do pré-sal, com total segurança paras as pessoas e
para o meio ambiente. O mau uso da estatística pelo senador Serra traz à
lembrança o falecido Roberto Campos, que acertadamente dizia que a
estatística mostra o supérfluo e esconde o essencial.
O
senador Serra, para justificar a entrega do petróleo do pré-sal às
petrolíferas privadas mundiais, alega que, entre a quebra do monopólio
estatal em 1997 e 2010, sob o regime de concessão, a produção de
petróleo da Petrobrás passou de 800 mil barris/dia para 2 milhões de
barris/dia, enquanto que, sob o regime de partilha, teve um “aumento
pífio de 18%”. Aqui está a justificativa, ainda velada, para o abandono
do regime de partilha, iniciado pelo seu projeto. O argumento do senador
não se sustenta: o aumento da produção de petróleo da Petrobrás até
2010 decorreu, essencialmente, da produção de descobertas anteriores à
quebra do monopólio, pois a produção das descobertas posteriores só
começou a se fazer sentir a partir de 2005-2006; nada, porém, se compara
à extraordinária curva de crescimento da produção de petróleo no
pré-sal, que aumenta mês a mês desde 2013, quando lá se iniciou a
produção, à taxa de 5% a.m., chegando hoje à casa dos 800 mil
barris/dia. Esta é a razão da tentativa, patrocinada pelo senador Serra,
de entregar o nosso petróleo às petrolíferas privadas mundiais.
O
senador Serra critica a Petrobrás pelo “controle oportunista de preços”
e pelos “projetos aloprados de refinarias”, que teriam quase arruinado a
empresa.
Quanto
ao “controle oportunista de preços”, labora em erro o senador Serra.
Administrar o preço na porta da refinaria é do interesse do cidadão
brasileiro - em ultima análise, o acionista controlador da Petrobrás – e
cumpre função social de extrema importância, a do controle do custo de
vida. Os acionistas estrangeiros, introduzidos na Petrobrás após a
quebra do monopólio, é que não concordam com isso, exigem o alinhamento
dos preços dos produtos da Petrobrás aos preços internacionais. A quem
serve o senador Serra ao defender essa opinião? Certamente, não aos
interesses nacionais.
Quanto
aos “projetos aloprados de refinarias”, tanto o Comperj no Rio de
Janeiro, como a Renest em Pernambuco, são tecnicamente justificados,
pois agregam valor ao petróleo aqui produzido e tornam o país
auto-suficiente neste insumo. Na verdade, a posição do senador é
coerente com a do governo FHC, do qual foi uma das principais
lideranças: buscou-se, então, desinvestir em refino (alienou-se ⅓ da Refap à YPF e preparou-se a venda
da Reduc, suspensa em 2003), para tornar o país dependente da
importação de derivados. As beneficiárias da canibalização da Petrobrás
seriam, é claro, as petrolíferas privadas mundiais.
Finalmente,
o senador Serra comenta algumas decisões da atual diretoria da
Petrobrás, em princípio alinhadas às suas ideias. Propõe-se a venda de
ativos de produção, solução simplista que suprimirá da Petrobrás
justamente a origem dos recursos que, no futuro, garantirão o rolamento
das suas dívidas e a sustentabilidade a longo prazo da saúde financeira
da empresa. As medidas anunciadas são, na verdade, uma solução obtusa,
que beira o suicídio empresarial, em favor de interesses das
petrolíferas privadas mundiais, tão caras ao senador Serra.
Pedro Celestino é engenheiro e candidato da chapa de unidade Engenharia e Desenvolvimento que concorre às eleições do Clube de Engenharia que ocorrerão de 26 a 28 de agosto.
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