O que a Conferência Nacional de Comunicação tem a ver com a educação?
Escrito por: Marlos Bezerra de Mello
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa
Neste texto quero apresentar as representações de educação presentes
nos debates para a instalação do Plano Nacional de Comunicação, por meio
da minha própria experiência como delegado na 1º (e até agora única)
Conferência Nacional de Comunicação (Confecom [o encontro nacional da
Confecom foi realizado de 14 a 17 de dezembro de 2009 no Centro de
Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília/DF. A Conferência Nacional foi
convocada pelo governo federal, coordenada pelo Ministério das
Comunicações, e contou com a participação de representantes do poder
público, da sociedade civil e da sociedade civil empresarial. O objetivo
geral de todas as etapas anunciadas pelos organizadores da Conferência
foi a elaboração de propostas orientadoras para a formulação de um
“espaço para o debate amplo, democrático e plural com a finalidade de
elaborar propostas orientadoras para uma Política Nacional de
Comunicação” (ver aqui o documento completo com as mais de 6 mil
propostas apresentadas nas etapas estaduais e distrital da Confecom)]).
Pretendo mostrar como a força do discurso educacional aparece nas
propostas eleitas durante a Conferência e, por fim, o quanto é
necessário que a sociedade civil continue atenta a esse debate.
Pode-se dizer que já existe entre os profissionais e pesquisadores da
educação, um sério consenso acerca de temas que interessam ao campo
educacional brasileiro que são atravessados por muitos fatores que
merecem ser abordados a fim de se documentar, divulgar e tornar
acessível a todos os interessados e todas as interessadas o cenário, os
debates e as propostas referentes a questões que de alguma forma
englobam, envolvem e/ou se desenvolvem em âmbito educacional e
comunicacional ou vice-versa.
Na minha experiência como representante eleito (pela sociedade civil
não-empresarial) para a Confecom pude perceber nos debates e discussões
acerca da comunicação, uma forte presença de pautas referentes à
educação. Dentre estas, destaco as ideias democráticas construídas
amplamente pela sociedade civil que se baseiam no conceito de inclusão e
universalização da comunicação (ver aqui). Porém, considero a
necessidade de se prestar atenção também às propostas elaboradas para a
Conferência do setor empresarial, tendo em vista que estas estavam
ancoradas em temáticas educacionais, geralmente atreladas a ideia da
escolarização por meio da difusão do discurso da modernização do seu
aparato técnico-científico. No entanto, sem discutir o mérito e as
limitações de tal modernização que ideologicamente pretendia sugestionar
os debates, dando a entender que para a comunicação ser eficaz à
educação, precisava primeiramente ajudar os escolares a internalizar
novas habilidades técnicas e científicas.
Propostas convergem com questões educacionais
De acordo com os números informados pelos organizadores da Confecom,
participaram da Conferência 1.800 delegados, indicados nas etapas
estaduais preparatórias, representando organizações da sociedade civil
empresarial (40% do total), da sociedade civil não-empresarial (40%) e
das três esferas da administração pública (20%). Dos debates ocorridos
em Brasília resultaram 633 propostas e/ou diretrizes aprovadas, sendo
que destas, 62 correspondem a temáticas que convergem com a pauta de
questões educacionais para o país. Entendo por convergência a capacidade
das ideias ocuparem e se estabelecerem em mais de um espaço ao mesmo
tempo, isto é, no caso específico, em âmbito educacional e
comunicacional.
A temática central da Conferência foi a “Comunicação: meios para a
construção de direitos e de cidadania na era digital”. A apresentação
das propostas, bem como a organização dos resultados, foi pretendida em
três eixos temáticos: 1 – Produção de conteúdo; 2 – Meios de
distribuição; 3 – Cidadania: direitos e deveres. Nos três eixos
localizei ideias que explicitamente e/ou implicitamente se ancoravam em
medidas e/ou princípios educacionais.
Tais propostas podem ser visualizadas por meio da tabela que organizei e
coloquei abaixo com o número de cada uma das 62 propostas aprovadas na
Confecom e que, na minha opinião, convergem com a pauta de questões
educacionais que aparecem e repercutem nos principais debates
organizados nos municípios, estados e no país.
Tabela organizada em ordem crescente pelo número de cada proposta
aprovada na Confecom que cita ou apresenta relação com a educação [os
textos na íntegra de cada uma das propostas podem ser consultados no
Caderno da Confecom que pode ser acessado no endereço: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/comunicacao/caderno-propostas-1a-confecom]
1 148 160 162 221 227 228 229 234 237
246 250 268 272 278 283 294 312 315 318
324 356 382 396 398 441 450 456 461 467
474 492 506 521 542 552 566 591 596 603
607 616 622 624 625 626 630 642 651 652
657 658 659 661 673 679 697 710 771 777
863 872 – – – – – – – –
Mudanças significativas são possíveis
Das propostas elencadas acima destaco a 324, a 382 e a 603 que
pretendem que se crie uma diretriz nacional para que os filmes
produzidos com recursos públicos sejam exibidos em projetos sociais e
culturais gratuitamente, bem como nas escolas da rede pública e privada
[acredito que toda expressão artística e cultural (projetos de musicais,
de teatro, dança, bem como as exposições artísticas etc.) financiadas
pelo poder público também deveriam ter acesso garantido gratuitamente].
Tais propostas da sociedade civil parecem caminhar ao encontro, por
exemplo, de projetos como os da área de Educação e Cinema preconizada
pelo Programa de Especialização Lato Sensu em Docência na Educação
Básica da UFMG que pretende introduzir uma reflexão sobre a importância
educativa do cinema na formação do gosto e da sensibilidade dos
professores, propondo a inserção efetiva do cinema no cotidiano das
atividades profissionais e práticas culturais dos educadores.
Outra proposta de aperfeiçoamento e especialização para os professores é
a 278 que aborda a necessidade de um financiamento público para a
criação de programas envolvendo universidades, centros de pesquisa,
organizações da sociedade civil visando à formação de educadores para
que o corpo docente das escolas possa aprender a trabalhar de maneira
transversal os conteúdos escolares através das diversas mídias. Em
consonância com essa proposta, a 456, a 492, a 616, a 642 e a 651
pretendem que se inclua, para os educadores, uma formação específica
para a educação dos escolares na comunicação, isto é, um curso de
aperfeiçoamento para que os docentes possam ministrar aulas de “leitura
crítica da mídia” aos alunos.
As propostas 1, 221, 228, 234, 237, 268, 294, 591, 624, 659 e 697
pretendem garantir que todas as escolas tenham laboratórios de
informática modernos, equipados com softwares livres e tecnologias de
internet banda larga que permitam o acesso de toda a comunidade escolar a
formação digital. A intenção da proposta 227 é a implantação de uma
política nacional que garanta um computador portátil para cada aluno da
rede pública e/ou de baixa renda. A 272 se dispõe a incentivar a
produção cultural nas escolas em todos os ciclos e a 312 visa à produção
de jornais educativos de textos e desenhos elaborados pelos alunos.
As propostas da sociedade civil para a Confecom que se encontram em
convergência com as questões educacionais são importantes porque abrem
espaços para um profundo debate que precisa ser continuado dentro do
campo educacional brasileiro. No entanto, é preciso atenção máxima, pois
o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação vem
continuamente sendo capturados para a retroalimentação do modelo
educacional que se baseia, principalmente, no fortalecimento da
ideologia da modernização estimulada por setores da sociedade que pregam
firmemente o poder redentor da tecnologia para a reprodução do
conhecimento e para a resolução de todos os problemas.
As preocupações com os espaços, discursos, debates que envolvem as
ideias e representações da educação estão aflorados e possibilitam
mudanças significativas no que está posto como uma única estrutura
educacional pronta e finalizada. A atenção ao que está ocorrendo nestes
primeiros 15 anos de século 21 pode ser fundamental para a construção de
uma sociedade mais justa e democrática.
***
Marlos Bezerra de Mello é jornalista e psicólogo
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