quarta-feira, 1 de julho de 2015

A DESCONSTRUÇÃO DA MÍDIA.

A desconstrução da mídia

Escrito por: Flávio Damiani
Fonte: Observatório da Imprensa

Institutos de pesquisa do planeta debruçam um olhar detalhado em algumas áreas críticas que remetem a uma tendência mundial, que é o que nos interessa

As grandes empresas jornalísticas parecem não se dar conta ou dão pouca importância às tendências e rumos da mídia. Continuam achando que o mundo gira em torno do seu próprio eixo e não admitem, embora sintam na pele, que estão perdendo campo e terreno para o jornalismo digital. Demitem, se desfazem de suas grandes estrelas, apertam aqui e ali, mas não querem nem encontram uma saída. As verbas públicas também vêm diminuindo e parece que a mídia tradicional não sabe sobreviver sem elas. O dinheiro certo em caixa no final do mês não está sendo suficiente e precisam buscar fora a diferença, o que nunca foi fácil pra ninguém. Estão sentindo na carne o abandono do dinheiro fácil.
 
A Newsletter Farol, que trata das tendências do jornalismo mundial e publica uma pesquisa baseada no relatório anual sobre o estado do jornalismo nos Estados Unidos feito pelo Instituto Pew Center, escancara a derrota da mídia tradicional para os tempos modernos ao revelar que nos sites de notícias a audiência oriunda de mobile segue crescendo: “Quem acessa pelo desktop tem um tempo de permanência maior”, observa a fonte. Outra constatação é a consolidação da web social, com o Facebook como porta de entrada de notícias para mais de 50% dos entrevistados. Aliado a isso, a importância das TVs locais vem registrando um crescimento de 3% de audiência nos telejornais noturnos e 2% nos matutinos, em detrimento à audiência das TVs a cabo, que vêm despencando em média de 8% nos principais canais. Outra tendência que aparece na pesquisa é o renascimento dos podcasts, constatando que só os programas da NPR (rádio pública americana) tiveram aumento de 41% nos downloads em um ano. O faturamento da mídia impressa segue caindo: 4%, enquanto o faturamento das mídias digitais subiu, em média, 18%, sendo que 37% do total vêm do mobile (eram 25% ano passado).
 
Institutos de pesquisa do planeta debruçam um olhar detalhado em algumas áreas críticas que remetem a uma tendência mundial, que é o que nos interessa. Quanto à circulação dos jornais impressos, o Brasil não foge e está fora desta estatística: caiu 3%, perdendo em publicidade e faturamento. Não se tem um número específico, cravado, mas calcula-se que nos últimos dez anos esta queda tenha sido de 60 a 70%; consequentemente, o número caiu pela metade. As redações se desfazem do seu patrimônio que é a experiência, a competência e a qualidade dos seus profissionais e perdem seu principal produto, que é a credibilidade.
 
Guarda-chuvas para os excluídos
 
A instantaneidade da informação de hoje está no rádio, que me parece a mais ágil e atualizada das mídias tradicionais. A TV peca por explorar ao vivo a bandidagem e a violência. Programas de sensacionalismo com um âncora gritando, blasfemando, xingando a produção, psiconeurótico, desequilibrado e histérico diante das câmeras, já não chamam mais tanto a atenção e fazem com que os telespectadores migrem para outras plataformas. As redes sociais mostram de maneira bem mais civilizada cenas fortes em tempo real. Já os jornais e revistas trazem informações dormidas e não sabem trabalhar a noticia de maneira atraente. Quem sempre leu jornal não deixa de comprar um pela manhã, mas quer o aprofundamento da informação de maneira imparcial, divorciada do conservadorismo. O leitor não se deixa mais levar pela opinião do editorial, do formador de opinião que, na falta do que dizer, acaba irritando o leitor que não se submete mais às ideias conservadoras de uma mídia que considera desatualizada com o seu tempo. O velho e bom cartum, a inteligente e bem humorada crônica sumiram para sempre e o leitor sente falta destes dois aliados que fizeram a história da mídia impressa no Brasil. Eram liberdades de expressão democráticas que tornavam bem mais agradáveis as manhãs dos estudantes, dos trabalhadores, das donas de casa, dos idosos nas praças e calçadas, ou dos vagabundos que se identificavam com a malandragem traçada ou romanceada nas páginas dos jornais.
 
Esta anunciada morte lenta traz uma mensagem ao mundo contemporâneo. A necessária desconstrução da mídia tradicional, que não sabe conviver com as novas plataformas. Pelo contrário, está se entregando a elas de forma promíscua, sem demonstrar reação. Esta profana cumplicidade, no entanto, só transfere de mãos, passa para outros donos de outras grandes potências do mundo virtual como Maicros e Appels, que controlam o mundo em suas plataformas digitais. Vendem uma liberdade total para que os povos e as pessoas se comuniquem entre si, construam seus próprios sites, blogs, páginas nas redes sociais e se sintam em liberdade para usar e abusar dos temas e palavras. Por trás de tudo existe uma cortina invisível de onde eles controlam tudo e podem “tirar do ar”, de uma hora para outra, toda e qualquer manifestação que não agrade o patrão, sem que o seu autor saiba a origem ou de quem partiu a ordem. Claro que não estamos aqui condenando uma intervenção, denúncia e remoção de sites que promovam a violência, redes de exploração de menores, entre outras. O foco aqui é a liberdade de expressão.
 
Para escapar desta liberdade vigiada surgem alternativas que estão ao alcance e todos. O Software Livre é uma delas. Espécie de antídoto capaz de combater o monopólio virtual e permitir intervenções e adaptações de forma espontânea, sem que seja preciso pedir permissão ao seu proprietário para modificá-lo. É um guarda-chuvas para os excluídos. Assim, cada cidadão pode manusear suas ferramentas embutindo nelas suas ideias e compartilhar os assuntos que acham pertinentes ao mundo de hoje. A portabilidade a serviço de quem está cansado de receber as notícias de forma unilateral, escolhidas e trabalhadas por quem entende que aqueles são os assuntos que servem para a formação moral e intelectual de uma sociedade. Homens e mulheres livres para buscar, escolher, optar e repassar aquilo que realmente interessa, sem mediação e obrigando a mídia a afundar nas suas escolhas e mergulhar no seu próprio processo de desconstrução.
 
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Flávio Damiani é jornalista

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