A desconstrução da mídia
Escrito por: Flávio Damiani
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa
Institutos de pesquisa do planeta debruçam um olhar detalhado em algumas áreas críticas que remetem a uma tendência mundial, que é o que nos interessa
As grandes empresas jornalísticas parecem não se dar conta ou dão pouca
importância às tendências e rumos da mídia. Continuam achando que o
mundo gira em torno do seu próprio eixo e não admitem, embora sintam na
pele, que estão perdendo campo e terreno para o jornalismo digital.
Demitem, se desfazem de suas grandes estrelas, apertam aqui e ali, mas
não querem nem encontram uma saída. As verbas públicas também vêm
diminuindo e parece que a mídia tradicional não sabe sobreviver sem
elas. O dinheiro certo em caixa no final do mês não está sendo
suficiente e precisam buscar fora a diferença, o que nunca foi fácil pra
ninguém. Estão sentindo na carne o abandono do dinheiro fácil.
A Newsletter Farol, que trata das tendências do jornalismo mundial e
publica uma pesquisa baseada no relatório anual sobre o estado do
jornalismo nos Estados Unidos feito pelo Instituto Pew Center, escancara
a derrota da mídia tradicional para os tempos modernos ao revelar que
nos sites de notícias a audiência oriunda de mobile segue crescendo:
“Quem acessa pelo desktop tem um tempo de permanência maior”, observa a
fonte. Outra constatação é a consolidação da web social, com o Facebook
como porta de entrada de notícias para mais de 50% dos entrevistados.
Aliado a isso, a importância das TVs locais vem registrando um
crescimento de 3% de audiência nos telejornais noturnos e 2% nos
matutinos, em detrimento à audiência das TVs a cabo, que vêm despencando
em média de 8% nos principais canais. Outra tendência que aparece na
pesquisa é o renascimento dos podcasts, constatando que só os programas
da NPR (rádio pública americana) tiveram aumento de 41% nos downloads em
um ano. O faturamento da mídia impressa segue caindo: 4%, enquanto o
faturamento das mídias digitais subiu, em média, 18%, sendo que 37% do
total vêm do mobile (eram 25% ano passado).
Institutos de pesquisa do planeta debruçam um olhar detalhado em
algumas áreas críticas que remetem a uma tendência mundial, que é o que
nos interessa. Quanto à circulação dos jornais impressos, o Brasil não
foge e está fora desta estatística: caiu 3%, perdendo em publicidade e
faturamento. Não se tem um número específico, cravado, mas calcula-se
que nos últimos dez anos esta queda tenha sido de 60 a 70%;
consequentemente, o número caiu pela metade. As redações se desfazem do
seu patrimônio que é a experiência, a competência e a qualidade dos seus
profissionais e perdem seu principal produto, que é a credibilidade.
Guarda-chuvas para os excluídos
A instantaneidade da informação de hoje está no rádio, que me parece a
mais ágil e atualizada das mídias tradicionais. A TV peca por explorar
ao vivo a bandidagem e a violência. Programas de sensacionalismo com um
âncora gritando, blasfemando, xingando a produção, psiconeurótico,
desequilibrado e histérico diante das câmeras, já não chamam mais tanto a
atenção e fazem com que os telespectadores migrem para outras
plataformas. As redes sociais mostram de maneira bem mais civilizada
cenas fortes em tempo real. Já os jornais e revistas trazem informações
dormidas e não sabem trabalhar a noticia de maneira atraente. Quem
sempre leu jornal não deixa de comprar um pela manhã, mas quer o
aprofundamento da informação de maneira imparcial, divorciada do
conservadorismo. O leitor não se deixa mais levar pela opinião do
editorial, do formador de opinião que, na falta do que dizer, acaba
irritando o leitor que não se submete mais às ideias conservadoras de
uma mídia que considera desatualizada com o seu tempo. O velho e bom
cartum, a inteligente e bem humorada crônica sumiram para sempre e o
leitor sente falta destes dois aliados que fizeram a história da mídia
impressa no Brasil. Eram liberdades de expressão democráticas que
tornavam bem mais agradáveis as manhãs dos estudantes, dos
trabalhadores, das donas de casa, dos idosos nas praças e calçadas, ou
dos vagabundos que se identificavam com a malandragem traçada ou
romanceada nas páginas dos jornais.
Esta anunciada morte lenta traz uma mensagem ao mundo contemporâneo. A
necessária desconstrução da mídia tradicional, que não sabe conviver com
as novas plataformas. Pelo contrário, está se entregando a elas de
forma promíscua, sem demonstrar reação. Esta profana cumplicidade, no
entanto, só transfere de mãos, passa para outros donos de outras grandes
potências do mundo virtual como Maicros e Appels, que controlam o mundo
em suas plataformas digitais. Vendem uma liberdade total para que os
povos e as pessoas se comuniquem entre si, construam seus próprios
sites, blogs, páginas nas redes sociais e se sintam em liberdade para
usar e abusar dos temas e palavras. Por trás de tudo existe uma cortina
invisível de onde eles controlam tudo e podem “tirar do ar”, de uma hora
para outra, toda e qualquer manifestação que não agrade o patrão, sem
que o seu autor saiba a origem ou de quem partiu a ordem. Claro que não
estamos aqui condenando uma intervenção, denúncia e remoção de sites que
promovam a violência, redes de exploração de menores, entre outras. O
foco aqui é a liberdade de expressão.
Para escapar desta liberdade vigiada surgem alternativas que estão ao
alcance e todos. O Software Livre é uma delas. Espécie de antídoto capaz
de combater o monopólio virtual e permitir intervenções e adaptações de
forma espontânea, sem que seja preciso pedir permissão ao seu
proprietário para modificá-lo. É um guarda-chuvas para os excluídos.
Assim, cada cidadão pode manusear suas ferramentas embutindo nelas suas
ideias e compartilhar os assuntos que acham pertinentes ao mundo de
hoje. A portabilidade a serviço de quem está cansado de receber as
notícias de forma unilateral, escolhidas e trabalhadas por quem entende
que aqueles são os assuntos que servem para a formação moral e
intelectual de uma sociedade. Homens e mulheres livres para buscar,
escolher, optar e repassar aquilo que realmente interessa, sem mediação e
obrigando a mídia a afundar nas suas escolhas e mergulhar no seu
próprio processo de desconstrução.
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Flávio Damiani é jornalista
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