domingo, 26 de abril de 2015

A CORRUPÇAO QUE A MÍDIA NÃO MOSTRA.

Extraído de um artigo de * Jeffrey D. Sachs O Estado de S.Paulo
O dinheiro move montanhas e está corrompendo políticos em todo o mundo. É difícil que haja um dia em que não venha à tona um novo caso de práticas administrativas questionáveis ou ilegais. Ao longo da última década, todas as firmas de Wall Street pagaram multas significativas por causa de algum episódio de fraude contábil, negociatas, fraude com valores mobiliários, operações fraudulentas de investimento e até apropriação indébita por parte de diretores executivos.

A corrupção é lucrativa também no âmbito da política americana. O atual governador da Flórida, Rick Scott, foi diretor executivo de uma grande empresa de saúde chamada Columbia/HCA. A empresa foi acusada de fraudar o governo por meio do superfaturamento de reembolsos e acabou se declarando culpada de 14 delitos graves, pagando por eles uma multa de US$ 1,7 bilhão. A investigação do FBI obrigou Scott a deixar o cargo. Mas, uma década depois de a empresa assumir a culpa, Scott está de volta, dessa vez apresentando-se como político republicano defensor do "livre mercado".
Quando o presidente Barack Obama precisou de alguém capaz de ajudar no socorro da indústria automobilística americana, ele se voltou para Steven Rattner, conhecida figura de Wall Street, apesar de saber que ele era investigado por oferecer propinas a funcionários do governo. Depois de concluir seu trabalho para a Casa Branca, Rattner concordou em pagar uma multa de alguns milhões de dólares e, com isso, encerrar o caso.
O ex-vice-presidente Dick Cheney chegou à Casa Branca depois de trabalhar como diretor executivo da Halliburton.      Durante o período em que Cheney esteve à frente da empresa, a Halliburton envolveu-se na oferta de propinas ilegais a funcionários do governo nigeriano, conseguindo com isso o acesso às reservas de petróleo do país - cujo valor é estimado em bilhões de dólares. Quando o governo da Nigéria acusou a Halliburton de suborno, a empresa preferiu chegar a um acordo fora dos tribunais, pagando uma multa de US$ 35 milhões. É claro que Cheney não sofreu nenhum tipo de consequência. A notícia quase não encontrou espaço na mídia americana.
A explosão da corrupção - nos EUA, na Europa, na China, Índia, África, Brasil e outros países - traz um conjunto de perguntas desafiadoras a respeito de suas causas e de como ela poderia ser controlada agora que atingiu proporções epidêmicas. A corrupção corporativa fugiu ao controle por dois motivos principais. Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais, enquanto os governos permanecem presos ao âmbito nacional. Segundo, as empresas são as principais financiadoras das campanhas políticas em países como os EUA, onde os próprios políticos, muitas vezes, estão entre os sócios delas, sendo, no mínimo, discretamente beneficiados pelos lucros corporativos. Cerca de metade dos congressistas americanos é composta por milionários e muitos deles mantêm laços com empresas antes mesmo de chegarem ao Congresso. Como resultado, os políticos, com frequência, ignoram as situações em que o comportamento corporativo ultrapassa os limites. O resultado é uma cultura da impunidade, com base na expectativa - amplamente confirmada - de que o crime compensa.
Levando-se em consideração a proximidade entre o dinheiro, o poder e a lei, o combate ao crime corporativo será uma luta árdua. Precisaremos de um novo tipo de político, na vanguarda de um outro tipo de campanha, que tenha como base a mídia online gratuita em lugar da mídia paga. Quando os políticos puderem se emancipar das doações corporativas, eles recuperarão sua capacidade de controlar os abusos corporativos.
Além disso, precisaremos iluminar os cantos mais sombrios das finanças internacionais, em especial lugares como as Ilhas Cayman e os bancos suíços mais suspeitos. Os casos de evasão fiscal, oferta de subornos, remessa ilegal de fundos, propinas e outras transações passam por essas contas. A riqueza, o poder e a ilegalidade possibilitados por esse sistema oculto têm agora dimensões tão vastas que chegam a ameaçar a legitimidade da economia global, especialmente no momento em que a desigualdade de renda e os déficits orçamentários atingem níveis sem precedentes, graças à incapacidade política - e, em alguns casos, até mesmo operacional - dos governos de obrigar os mais ricos a pagar impostos.
Assim, da próxima vez em que souber de um escândalo de corrupção na África ou em alguma outra região empobrecida, pergunte-se onde a fraude se originou e quem seriam os corruptores responsáveis. Os EUA e os demais países "avançados" não deveriam apontar o dedo acusador para os países mais pobres, pois os responsáveis pelos problemas costumam ser as mais poderosas empresas multinacionais.                                                               
* É PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE COLUMBIA, DIRETOR DO EARTH INSTITUTE E CONSELHEIRO ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU PARA AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO

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