Extraído de um artigo de * Jeffrey D. Sachs - O Estado de S.Paulo
O dinheiro move montanhas e está corrompendo políticos em todo o mundo. É
difícil que haja um dia em que não venha à tona um novo caso de
práticas administrativas questionáveis ou ilegais. Ao longo da última
década, todas as firmas de Wall Street pagaram multas significativas por
causa de algum episódio de fraude contábil, negociatas, fraude com
valores mobiliários, operações fraudulentas de investimento e até apropriação indébita por parte de diretores executivos.
A corrupção é
lucrativa também no âmbito da política americana. O atual governador da
Flórida, Rick Scott, foi diretor executivo de uma grande empresa de
saúde chamada Columbia/HCA. A empresa foi acusada de fraudar o governo
por meio do superfaturamento de reembolsos e
acabou se declarando culpada de 14 delitos graves, pagando por eles uma
multa de US$ 1,7 bilhão. A investigação do FBI obrigou Scott a deixar o
cargo. Mas, uma década depois de a empresa assumir a culpa, Scott está
de volta, dessa vez apresentando-se como político republicano defensor
do "livre mercado".
Quando
o presidente Barack Obama precisou de alguém capaz de ajudar no socorro
da indústria automobilística americana, ele se voltou para Steven
Rattner, conhecida figura de Wall Street, apesar de saber que ele era
investigado por oferecer propinas a funcionários do governo. Depois de
concluir seu trabalho para a Casa Branca, Rattner concordou em pagar uma
multa de alguns milhões de dólares e, com isso, encerrar o caso.
O
ex-vice-presidente Dick Cheney chegou à Casa Branca depois de trabalhar
como diretor executivo da Halliburton. Durante o período em que
Cheney esteve à frente da empresa, a Halliburton envolveu-se na oferta
de propinas ilegais a funcionários do governo nigeriano, conseguindo com
isso o acesso às reservas de petróleo do país - cujo valor é
estimado em bilhões de dólares. Quando o governo da Nigéria acusou a
Halliburton de suborno, a empresa preferiu chegar a um acordo fora dos
tribunais, pagando uma multa de US$ 35 milhões. É claro que Cheney não sofreu nenhum tipo de consequência. A notícia quase não encontrou espaço na mídia americana.
A explosão da corrupção - nos EUA, na Europa, na China, Índia, África, Brasil e outros países - traz um conjunto de perguntas desafiadoras a respeito de suas causas e
de como ela poderia ser controlada agora que atingiu proporções
epidêmicas. A corrupção corporativa fugiu ao controle por dois motivos
principais. Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais,
enquanto os governos permanecem presos ao âmbito nacional. Segundo, as
empresas são as principais financiadoras das campanhas políticas em
países como os EUA, onde os próprios políticos, muitas vezes, estão
entre os sócios delas, sendo, no mínimo, discretamente beneficiados
pelos lucros corporativos. Cerca de metade dos congressistas americanos é composta por milionários e
muitos deles mantêm laços com empresas antes mesmo de chegarem ao
Congresso. Como resultado, os políticos, com frequência, ignoram as
situações em que o comportamento corporativo ultrapassa os limites. O
resultado é uma cultura da impunidade, com base na expectativa - amplamente confirmada - de que o crime compensa.
Levando-se em consideração a proximidade entre o dinheiro, o poder e
a lei, o combate ao crime corporativo será uma luta
árdua. Precisaremos de um novo tipo de político, na vanguarda de um
outro tipo de campanha, que tenha como base a mídia online gratuita
em lugar da mídia paga. Quando os políticos puderem se emancipar das
doações corporativas, eles recuperarão sua capacidade de controlar os
abusos corporativos.
Além disso, precisaremos iluminar os cantos mais sombrios das finanças internacionais, em especial lugares como as Ilhas Cayman e os bancos suíços mais suspeitos. Os casos de evasão fiscal, oferta de subornos, remessa ilegal de fundos, propinas e outras transações passam por essas contas. A riqueza, o poder e
a ilegalidade possibilitados por esse sistema oculto têm agora
dimensões tão vastas que chegam a ameaçar a legitimidade da economia
global, especialmente no momento em que a desigualdade de renda e os déficits orçamentários atingem níveis sem precedentes, graças à incapacidade política - e, em alguns casos, até mesmo operacional - dos governos de obrigar os mais ricos a pagar impostos.
Assim,
da próxima vez em que souber de um escândalo de corrupção na África ou
em alguma outra região empobrecida, pergunte-se onde a fraude se
originou e quem seriam os corruptores responsáveis. Os EUA e
os demais países "avançados" não deveriam apontar o dedo acusador para
os países mais pobres, pois os responsáveis pelos problemas costumam ser
as mais poderosas empresas multinacionais.
* É PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE COLUMBIA, DIRETOR DO EARTH INSTITUTE E CONSELHEIRO ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU PARA AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO
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