quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

UM DRINK NO INFERNO

Um drink no inferno!

Q8az (1)


A eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, pelo período de dois anos, convenceu-me de uma necessidade urgente.
Sejamos estoicos.
O estoicismo significa, a grosso modo, aceitar as derrotas, os sofrimentos, os obstáculos, como inerentes à natureza e que devem ser, portanto, suportados com um espírito tranquilo e um coração firme.
É algo que venho pensando há tempos, mesmo antes da vitória de Cunha, que aliás eu já dava como certa desde que entrevistei aqui o Fabiano Santos, cientista político, cujos estudos e pesquisas sobre a Câmara já sinalizavam folgada liderança do pemedebista.
Diante do fato consumado, não nos resta outra saída a não ser tentarmos nos consolar com algum tipo de certeza tola, tipo: o mundo não vai acabar, ou que até no inferno será permitido beber um último drink.
Além disso, é preciso admitir que há uma justiça poética na lavada que o PT levou na Câmara.
Quem não sabe jogar bola, perde o jogo.
Toda vitória, quando merecida, tem uma certa beleza. Até mesmo quando o vencedor é o vilão.
A incompetência política de Dilma, do governo e do próprio PT, tem sido, para usar um vocabulário querido à presidenta, es-tar-re-ce-do-ra.
E limpemos logo a mesa de uma falácia: não é questão de apoiar ou não o governo, de apoiar ou não Dilma. De ser ou não governista.
Há anos que sou perseguido por esse estigma: governista, chapa-branca, etc!
É preciso muita fleuma para suportar anos este tipo de acusação, mesmo quando o governo apenas nos massacra politicamente.
Sim, nos massacra, porque não produz um fato político, mínimo que seja, de apoio à comunicação alternativa.
Não se trata de cortar a publicidade oficial paga à TV Globo.
Trata-se de política.
Por exemplo, Dilma poderia aparecer na TV e dizer, com todas as letras, que a informação é um insumo fundamental da democracia, e que os brasileiros precisam ser plurais em relação às suas fontes de informação, citando, de maneira genérica, as redes sociais e os blogs.
Nem disso o governo é capaz.
Não, eles não têm coragem sequer de abordar o tema do pluralismo na mídia.
Apenas a grande imprensa é mencionada.
E não adianta agendar “encontros” ou “entrevistas”, com blogueiros, sindicalistas e MPL, de quatro em quatro anos, apenas para constar.
É preciso ações concretas.
O ambiente econômico, então, é totalmente envenenado para a comunicação alternativa. Ninguém propõe nada que ajude blogs, sites e jornais alternativos a sobreviverem.
Nada disso, que se dane todo mundo. No máximo, um bannerzinho aqui ou lá para um blog bem comportado.
Enquanto isso, a imprensa corporativa, criada com leite estatal desde a sua nascença, cujos donos se tornaram bilionários através de todo o tipo de favor político, a começar pelo apoio a um golpe de Estado e a subsequente sustentação da ditadura, enquanto isso esta imprensa faz pose de crítica ao poder!
Ano passado, fez-se 50 anos de golpe e o governo, liderado por gente perseguida pela ditadura, não fez nenhum movimento para denunciar a participação da imprensa.
Ninguém aproveitou o momento para denunciar que o golpe foi dado não apenas com apoio da imprensa, da mesma imprensa de hoje, mas principalmente por causa do apoio da imprensa, que desempenhou um papel fundamental na derrubada de Jango.
Um certo grupo da imprensa familiar não apenas participou, como líder, da conspiração que levou ao golpe, ela usou a ditadura para destruir seus concorrentes e emergir, na democracia, como um poder político e financeiro terrível, um verdadeiro Leviatã.
Sabendo que estas empresas mamaram no Estado desde a sua nascença, e o fazem até hoje, os colunistas da grande imprensa ainda tem a cara de pau de citar Millor Fernandes, dizendo que “imprensa é oposição”.
Ora, a máxima de Millôr só vale se for aplicada também ao poder econômico, às corporações, ao imperialismo!
Se o jornalista quer tirar onda de oposição, então tem de ser oposição ao governo e à mídia!
Em caso contrário, é apenas um hipócrita!
Ou então, o que é o mais comum, a máxima de Millôr se torna um desses sofismas idiotas que jornalistas semicultos usam para justificarem o seu sabugismo patronal.
Entretanto, independente das críticas que faço à Dilma, ao governo e ao PT, entendo perfeitamente que este governo é o mais próximo que chegamos de um governo democrático e popular.
De fato, a comparação com o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, têm de ser feitas com prudência, porque as circunstâncias são absolutamente distintas. Diria mesmo, opostas. Lá, há um desgaste da direita, após anos de cortes sociais e desemprego.
Aqui no Brasil, há um sentimento oposto: nossas elites estão cansadas de anos de aumento dos programas sociais, elevação dos salários e desemprego baixo.
O desemprego muito baixo às vezes dá a sensação, para o empregador, de ser um problema, porque ele tem dificuldade para contratar mão-de-obra, e perde uma arma poderosa para aumentar a produtividade de seu funcionário: o terror do desemprego.
O governo e o PT, por sua vez, também sofrem de cansaço.
Milhares de petistas se agarram a seus empreguinhos com sofreguidão, confiando que a providência divina lhes garantirá mais alguns anos de estabilidade: afinal, não ajudaram os pobres?
Para que inventar algo novo? Não vamos nos arriscar! Quem sabe se ficarmos bem quietinhos, eles não nos deixam em paz?
Ao mesmo tempo, o PT não parece disposto a se abrir para a sociedade.
Ao contrário, o partido parece se fechar cada vez mais.
Dias atrás, li num blog uma entrevista com o secretário de comunicação do PT, José Américo. A manchete do post dizia que “o PT vai procurar ser mais agressivo na comunicação”.
Américo, então, fala sobre as decisões do partido: “mudar o layout do site, e ampliar a atuação da agência PT”.
É uma estupidez atrás da outra.
Comunicação jamais pode ser “agressiva”. Tem de ser sedutora, agradável. E não pode ser partidária ou panfletária. Quer dizer, até pode ser, mas com muita leveza e criatividade. Com certeza, porém, não é publicando conteúdo na Agência PT, que se vai conquistar a opinião pública.
A Agência PT tem de existir, assim como agências para cada partido e cada instituição.
Mas é preciso investir sobretudo na sociedade civil.
O PSDB ainda tem força porque suas ideias e críticas são publicadas na mídia “independente”, e não no site do partido.
Os estoicos entendiam que não se podia julgar ninguém por aquilo que ele tinha dito, mas somente por seu comportamento.
É assim que devemos julgar partidos e governo.
Os méritos dos governos Lula e Dilma são as ações, as obras, a melhoria da vida do povo, e não os discursos de suas lideranças.
Quando o assunto é comunicação, a mesma fórmula deve ser aplicada, mas aí temos uma situação inversa.
O governo e PT sempre falaram em favor da comunicação plural, e nunca fizeram nada na prática.
O PT gasta milhões e milhões fazendo reuniões em hoteis cinco estrelas, imprimindo cartilhas em papel couché, mas não solta um centavo, por exemplo, para criar oficinas ou cursos regulares de internet e ativismo político nas grandes cidades.
Não investe um centavo na formação de novas lideranças.
Não investe um centavo em juventude – falo de investimento maciço, para fora do partido.
E quando a gente pensa que pode surgir algo novo, vem o Marcelo Freixo, do PSOL, e, diante de centenas de jovens bem alimentados da zona sul carioca, repete, cheio de orgulho, um discurso idiota e antipobre:
“Ninguém aqui recebeu lanchinho!”
Como se houvesse alguma coisa de errado em dar um maldito lanchinho a um jovem da periferia que queira participar de um evento político!
O problema da política brasileira é justamente esse: uma gigantesca muquiranagem.
Até no Afeganistão, o país mais pobre do mundo, os talibãs investiam mais na formação política de novos quadros.
Aqui, nada.
Enfim, voltamos de onde nunca saímos, ao inferno da nossa política: ditadura, inflação, neoliberalismo, privataria, mensalão, petrolão, Eduardo Cunha.
Crise após crise.
Sobreviveremos?
Não sei.
Provavelmente sim.
Se sobrevivemos à ditadura, à super-inflação, a Collor, ao neoliberalismo, à privataria, à farsa judicial do mensalão, talvez tenhamos desenvolvido a capacidade de resistir a tudo.
É lógico, por exemplo, que a Lava Jato se tornou mais um complô midiático-judicial.
Há um escândalo verdadeiro de corrupção, uma investigação que poderia dar resultados concretos na luta contra os desvios, mas há também um complô.
Sempre há um complô.
Creio até que é uma tendência natural. Uma dessas doenças crônicas da democracia. No caso do Brasil, é quase uma lei. As classes abastadas, sempre que perdem uma eleição, se vingam através de complôs midiáticos-judiciais, que eles controlam porque promotores, juízes e donos de jornal pertencem ao mesmo estamento social.
No Brasil, porém, a concentração da mídia e o poder decorrente desta concentração, fazem esses complôs adquirirem a magnitude de um golpe político.
É um golpe atrás do outro, construídos diariamente, através de todo o tipo de intrigas, mentiras, insinuações, charges, manchetes, etc.
Há um esforço contínuo, diuturno, de produzir uma atmosfera irrespirável de crise, de instabilidade.
O que nos faz pensar se não é mais interessante para a mídia – esse monstro de raízes antropológicas complexas, que o povo, sábio, chama simplesmente de PIG – se não é mais interessante para a mídia, dizíamos, que tenhamos um governo petista fraco, ferido, manco, mas que permita à mídia posar de oposição irredutível. De crítica ao poder!
Talvez seja melhor do que um governo tucano, onde a nossa mídia se veria na situação constrangedora de ter de denunciar de vez em quando – nem que fosse apenas para constar, como fazia na era tucana.
Denúncias bem escritas, apuradas pelos mais talentosos repórteres investigativos, mas que nunca mereciam editoriais furiosos nem tinham continuidade.
Era abafadas com prudência, paulatinamente.
Ah, a imprensa livre e independente e crítica ao poder!
Os seus donos são a família mais rica do país? Shiiii, silêncio! Isso ninguém pode saber. Não há, nunca houve, em nenhum dos milhares de tentáculos do “PIG”, nenhuma reportagem sobre a riqueza nababesca da família Marinho.
Essa é uma informação subversiva, marginal, bandida.
Somente os “mensaleiros” e seus amigos falam mal da mídia, não é?
Bem, na verdade, não.
Em junho de 2013, milhões de jovens entoavam… bem deixa pra lá. Já repeti isso mil vezes. Todo mundo sabe o refrão que os jovens cantavam, rimando “verdade é dura” com ditadura.
Isso não tem mais importância. Quer dizer, até tem, mas não agora.
O momento é deles, da oposição conservadora. Eles sabem que não são bons de eleição. A sua especialidade são os complôs, e o petrolão oferece outra maravilhosa oportunidade.
Mais importante que um impeachment é a sombra do impeachment.
O mais importante eles já estão fazendo: enlamear a política. Transformar o debate democrático numa gritaria histérica e policialesca.
O judiciário e o MP entram no jogo, até porque também são chantageados quando não o fazem.
Comunicação é política. Política é comunicação. Nunca isso foi tão claro.
E o governo será derrotado, na opinião pública, na mídia, no parlamento e nas barras dos tribunais, enquanto não assumir o protagonismo da batalha da comunicação.
Enfim, o que fazer?
Não é mistério, e repetimos pela milésima vez:
1) investir em banda larga, maciçamente, numa banda larga barata e poderosa;
2) criar um sistema de financiamento republicano, democrático, generoso do jornalismo e cultura digitais não-corporativos;
3) investir na formação de novas lideranças;
4) abrir cursos populares de crítica midiática;
5) investir em comunicação pública, independente e de qualidade.
Mas é preciso agir, com firmeza, altivez e urgência!
É isso ou se conformar com um processo humilhante e miserável de derrota política.
Quatro anos de degradação e tortura psicológica!
Dilma, por sua vez, terá de escolher: ou faz a batalha de comunicação por bem, de maneira assertiva, usando os instrumentos de governo que o eleitor lhe proporcionou; ou fará por mal, tentando se defender de acusações, intrigas e complôs que a oposição midiática diuturnamente prepara contra ela.
Não há saída. É lutar ou lutar.
É perder lutando ou perder sem fazer nada, covardemente.
Quem luta, afinal, sempre corre um risco: vencer.
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