quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

TORTURADORES NA BEIJA FLOR

07/10/2013 – 10h38 | última atualização em 07/10/2013 – 10h37

Um torturador do DOI-Codi na Beija-Flor

Fonte: jornal O Globo
Confrontados com as fotos do sargento Torres e do cabo Povoleri, uma vendedora de coco e o funcionário de um trailer em Piratininga, praia de Niterói, não hesitaram: "Foram eles!" Cinco dias depois do seqüestro e desaparecimento do pintor de paredes Misaque José Marques e do jóquei Luís Carlos latobá, em janeiro de 1981, a polícia carioca parecia ter chegado aos principais suspeitos. Mas o medo acabou vencendo a certeza e, ao encarar um dos acusados na delegacia, as testemunhas recuaram e não confirmaram o reconhecimento.
 
O cabo Marco Antônio Povoleri, braço-direito do capitão Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, desde os tempos da repressão, quando torturaram integrantes das organizações de esquerda, já tinha prontuário na polícia. Ele fora preso pela acusação de integrar uma quadrilha de ladrões de carros. Mas o cabo Arie - disse Barbosa Torres, o outro identificado, nunca saiu das sombras. Ao descartá-lo como suspeito, a polícia perdeu, na época, a oportunidade de revelar um dos elos mais fortes entre os porões da ditadura e o crime organizado.
 
O "caso Misaque-Jabotá" envolveu o contraventor Aniz Abrahão David, o Anísio, por considerar a hipótese de que o pintor e o jóquei teriam sido vítimas de vingança. Seriam, segundo uma linha de investigação, os responsáveis pelo roubo da casa de praia do bicheiro em Piratininga, dias antes. Outra pista apontava para a queima de arquivo: Misaque era a única testemunha do assassinato, em dezembro do ano anterior, do construtor Júlio Gonçalves Martins Leitão, o cabo Júlio, um ex-informante do Exército que também teria envolvimento com drogas.
 
Entre muitas dúvidas, os investigadores não esclareceram quem era Torres. Para saber mais sobre o sargento, que serviu na Polícia do Exército e no Destacamento de Operações de Informações (DOI) na Rua Barão de Mesquita, bastava ir a Nilópolis. À época, no começo do auge da Beija Flor, o militar chefiava o barracão da escola e controlava as compras necessárias à montagem dos desfiles.
 
Torres, que serviu no 10ª BPE-RJ entre 1968 e 1970 e recebeu a Medalha do Pacificador em 1971, aparece nas listas do grupo Tortura Nunca Mais como um dos cinco acusados da tortura, morte e ocultação do corpo do deputado Rubens Paiva, desaparecido em 20 de janeiro de 1971. Ligado desde a infância a Anísio, ele teria ajudado o então iniciante bicheiro, de alguma forma recompensada, a ampliar seus territórios, afastando pequenos bicheiros.
 
Quando o regime começou a desmontar os porões, Torres passou a atuar como segurança de Anísio e assumiu o barracão, posto-chave na escola. Em entrevista em janeiro de 1981, Anísio confirmou conhecer e ser amigo do sargento, ao responder sobre nomes que apareceram como envolvidos no seqüestro de Misaque e Jatobá: "Das pessoas citadas pela imprensa como suspeitas do envolvimento no seqüestro, só tenho vínculos com o sargento do Exército Torres, que é meu amigo e diretor da Beija-Flor de Nilópolis, da qual sou presidente de honra"
 
Foi Torres quem levou para o bicho um superior, o capitão Ronald José Morta Baptista de Leão, o "doutor Léo" das masmorras do DOI, visto em ensaios na quadra da Beija-Flor. Ex-chefe do serviço reservado da PE na Barão de Mesquita e também apontado pela morte de Paiva, Leão caíra em desgraça no Exército após ser acusado de furtar objetos dos presos. A regra era clara: era permitido seqüestrar, torturar e desaparecer. Porém, jamais roubar inimigos do regime. Desprestigiado, Leão era presa fácil para a contravenção, que logo se prontificou a ajudá-lo. Uma fonte militar afirma que Anísio teria comprado material de construção para a casa de Leão em Triagem.
 
Com "Doutor Léo" Anísio reforçava a pequena milícia arregimentada nas fileiras da repressão, de onde saíra também o delegado Péricles Gonçalves, quadro da Polícia Civil que servira ao regime nos primeiros anos após o golpe de 1964. Torres e Péricles eram filhos da Baixada, onde circulavam com desenvoltura. Eleito deputado no fim dos anos 1980, com ajuda de Anísio e votos da população pobre da região, que acreditava na sua fama de justiceiro (Péricles era integrante da escuderia Le Coq), o delegado foi um combativo defensor da legalização do jogo.
 
Embora reconheça a presença de Torres na escola de samba e admita ter conhecido o capitão Leão, o "Doutor Léo" na quadra, o deputado federal Simão Sessim (PP-RJ), primo de Anísio, disse que não havia troca de favores com agentes da repressão. Torres e Leão, segundo ele, faziam parte de um grupo maior, também integrado pelo delegado Luiz Cláudio Azeredo Vianna, o Luizinho, e um sargento chamado Siqueira (o deputado não se lembra do sobrenome), que fazia a segurança dos filhos do presidente da República João Figueiredo.
 
Simão Sessim, que nega qualquer envolvimento com a contravenção, disse que a amizade de Anísio com Luizinho foi anterior à ascensão do bicheiro, razão pela qual não o beneficiou. Também nega que Jorge David, membro do clã e, na época, deputado estadual, tenha contribuído com informações usadas pela Polícia do Exército, na Vila Militar, na repressão a lideranças políticas logo após o golpe de 1964.

Nenhum comentário:

Postar um comentário