Por Luiz
Felipe Albuquerque
Em
paralelo à Conferência da Rio+20, acontece na cidade do Rio de Janeiro a Cúpula
dos Povos, entre os dias 15 a 23 de junho.
O evento
que reunirá diversos povos das mais variadas partes do mundo, organizações,
entidades, movimentos sociais, centrais sindicais, etc, pretende debater e
desmascarar as atuais soluções que estão sendo propostas e discutidas pelas
nações e pelo mercado em relação aos problemas ambientais.
O tema
central que permeia o debate da Rio+20 foca-se na chamada “economia verde”,
classificada pelas organizações críticas a tais propostas como “falsas
soluções”.
Nesse
sentido, Marcelo Durão, da Via Campesina Brasil, discute sobre as perspectivas
em torno da Conferência, o que está por trás do conceito de “economia verde”,
além de explicar o que será e o que pretende a Cúpula dos Povos.
Confira a
entrevista:
O que a
Via Campesina espera da Conferência da Rio+20?
A Rio+20
é o processo oficial de uma reflexão dos acordos internacionais que saíram da
Eco 92 sobre desertificação, biodiversidade, mudanças climáticas, etc.
Originalmente, a Rio+20 tinha como proposta a reunião das nações para que se
fizesse uma reflexão e avaliação sobre os acordos que foram sendo construídos
nos últimos períodos, como o Protocolo de Kyoto, a Agenda 21, as Convenções das
Partes (COPs). Num primeiro momento seria isso, foi até uma proposta do Lula em
2007.
No
entanto, a proposta de se fazer uma avaliação e reflexão para se pensar novos
acordos coletivos – é importante ressaltar que a intenção, no primeiro momento,
é que fossem feitos acordos coletivos – se perdeu. Agora (na Rio+20), trata-se
de fazer acordos individuais, em que cada nação faria a sua relação com o meio
ambiente da forma que melhor lhe coubesse.
Como
tivemos uma grande crise do capitalismo, esses acordos irão visar mudanças nas
leis trabalhistas e ambientais para facilitarem a acumulação e a centralização
de riquezas. Ou seja, o capitalismo e as grandes nações se voltam para o
acúmulo de capital a partir do meio ambiente, e aí a necessidade de mudar Código
Florestal, por exemplo. E não é só no Brasil que a legislação ambientalista
está sendo alterada, mas em diversos outros países onde ainda tem grandes
reservas de natureza.
O foco
principal fica nisso. O que se percebe e o que se espera para Rio+20 é de que
as nações farão grandes acordos individuais, com as soluções vindas por dentro
do mercado, o que chamamos de falsas soluções.
O debate
que está colocado em torno da discussão sobre o meio ambiente é a “economia
verde”. O que seria de fato essa “economia verde” e no que ela implica?
Em
reposta aos diversos problemas sócio-ambientais que está acontecendo no mundo
capitalista, as grandes corporações se utilizam do debate de um capitalismo e
uma economia verde. Seriam soluções, entre aspas, com preservação ambiental,
respeito maior a natureza, mas tudo por dentro do capitalismo real, concreto,
selvagem. Dialoga muito com o tal do desenvolvimento sustentável.
Mas isso
não passa de uma artimanha do capitalismo para se travestir de verde e
continuar acumulando e centralizando riquezas. Por exemplo, uma grande empresa
multinacional destina uma parte de seu recurso à compra de créditos de carbono,
ou promove uma formação em uma comunidade sobre educação ambiental, sem deixar
de continuar poluindo.
Ou o fato
de uma única empresa ser dona de Cataventos, como fonte de energia a partir do
vento, mas todo mundo que quiser esse tipo de energia terá que se subordinar a
essa única empresa. Ou seja, são soluções que vêm por dentro do mercado e que
se dizem soluções ecológicas. Isso é uma balela. É o capitalismo se voltando
para a natureza.
Outro
exemplo: a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura)
nunca acreditou na agroecologia. Há poucos anos atrás, porém, foram feitos
vários documentos pela FAO falando sobre a agroecologia. Mas os documentos não
pautam uma mudança radical e estrutural no uso de agrotóxicos, da monocultura,
ficando só num debate muito frágil e superficial.
O
conceito “Economia Verde” é apenas uma forma de desviar o debate e o foco
principal, que é o próprio capitalismo. A política do REED (Redução das
Emissões por Desmatamento e Degradação), sequestro de carbono, etanol, etc, é
que são as falsas soluções. São soluções que vêm por dentro do mercado e
sabemos que o mercado centraliza e acumula riqueza nas mãos de poucas empresas
e nações.
E como
estamos vivendo um momento novo do capitalismo, em que as corporações são os
que coordenam o mundo, são mais ricas que as nações, estas ficam reféns das
corporações.
Em paralelo à Rio+20, acontecerá a Cúpula dos Povos. O que será essa Cúpula e o que se pretende com ela?
A partir
do que estamos identificando dessa reunião dos chefes de estado na Rio+20,
diversas organizações , organizadas em redes nacionais e internacionais, como a
Via Campesina, estão propondo um espaço alternativo, para contrapor esse
debate.
É
necessario mostrar ao mundo que existem debates sendo feito, soluções concretas
e que não há necessidade de apostar no neodesenvolvimentismo, nesse
desenvolvimento para cima da natureza visando dar soluções à sociedade atual.
A ideia é
mostrar e fazer um debate: o que nos está afetando globalmente, afetando os
povos, o que está acontecendo, como mudança climática, desemprego, degradação
ambiental, saúde educação? A ideia da Cúpula dos Povos é fazer uma grande
mostra a partir dos próprios povos e demonstrar que não há necessidade de
grandes empresas continuarem acumulando e privatizando a riqueza.
Diversos
povos, campesinos, quilombolas, sindicatos, organizações que já fazem
concretamente uma proposta de sociedade diferente do que está colocada - e que
socializa a relação com a natureza, a riqueza, gera trabalho – estarão reunidas
nesse espaço.
Serão
feitos debates sobre o que nos afeta e apresentar o que os povos já estão
fazendo. Por exemplo, a semente da Bionatur, as relações com que índios e
pequenos agricultores desenvolvem com a água, o meio ambiento, etc.
A Cúpula
dos Povos acontecerá no Aterro do Flamengo, no mesmo período da Rio+20.
Estaremos enquanto povos globalmente reunidos. Só a Via Campesina está na
expectativa de trazer cerca de 2 mil pessoas para fazermos um grande
acampamento e, junto com as outras diversas organizações, faremos mobilizações
na rua e debates para se pensar um outro modelo de desenvolvimento, outra
maneira do ser humano se relacionar com ele mesmo e com a natureza.
E quais
são as propostas para um novo modelo de produção?
As
alternativas já vêm acontecendo. O que temos dificuldade é de potencializar e
explicitar essas experiências que já se realizam globalmente. Diversas pautas
que vem sendo colocada para o mundo enquanto alternativas já são coisas
concretas ou discutidas por vários povos, comunidades, movimentos sociais.
Por
exemplo, o grande problema dos centros urbanos, com grande quantidade de
pessoas vivendo num mesmo espaço, a dificuldade de emprego, educação, saúde e
todo caos que isso provoca tem uma solução: descentralizar essas pessoas. E uma
maneira de fazer isso é uma pauta antiga: a Reforma Agrária.
A pequena
agricultura e o seu modo de se trabalhar, visando a não utilização de agrotóxicos
por meio da agroecologia, já é outra relação com a natureza.
As
sementes da Bionatur, sem que tenha uma ou duas empresas controlando a produção
de sementes que visam somente o comércio e a centralização de riquezas, também
é outra maneira de se pensar. Apropria-se de uma técnica e a dissemina. A
Bionatur contribui com o debate e a formação de qualquer comunidade que queira
aprender como produzir sementes crioulas.
Em março,
vamos para Moçambique para fazer uma grande capacitação dos agricultores para
ensinar técnicas de se produzir a própria semente.
O modo de
apropriação de terras dos quilombolas, cujo uso e posse é coletiva, sem que
haja lote individual, o debate de energia feito pelo Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB), o trabalho de forma cooperada, as agroindústrias nas
regiões de produção... Isso tudo são alternativas concretas e que colocamos
para outra modelo de sociedade.
Repensar
o modelo de desenvolvimento é muito importante nesse período. Estamos numa
encruzilhada do capitalismo e se ele conseguir se reestruturar sobre o meio
ambiente e sobre os trabalhadores, a partir dessas mudanças que estão
acontecendo nas leis ambientais e trabalhistas em várias partes do mundo, ele
conseguirá ganhar mais força e seremos muito mais massacrados por outro longo
período.
Por isso
que temos que nos organizar, colocar o povo na rua, criar unidade na luta e
construir e socializar cada vez mais essas experiências que já vem acontecendo
a partir dos povos.
Fonte:
MST
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