sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A LÓGICA POLÍTICA.

Marina Silva e o imaginário postergador

Marina, a bem da verdade, nunca perdeu o prestígio que acumulou como Senadora (1995-2011) e ministra do Meio Ambiente (2003-2008), ao qual soube acrescentar uma biografia de grande apelo popular e posições principistas das quais dificilmente o eleitor comum ousaria discordar num primeiro momento.
Fábio Simão Alves* e 
Thiago Vidal**
A morte do então candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB), no último dia 13, recoloca Marina Silva (Rede) em posição de destaque no cenário eleitoral, resgatando-lhe, em circunstâncias tragicamente insólitas, o protagonismo que exerceu nas eleições presidenciais de 2010, quando amealhou quase 20 milhões de votos ao impor-se como símbolo de uma “terceira via”.
Marina, a bem da verdade, nunca perdeu o prestígio que acumulou como Senadora (1995-2011) e ministra do Meio Ambiente (2003-2008), ao qual soube acrescentar uma biografia de grande apelo popular e posições principistas das quais dificilmente o eleitor comum ousaria discordar num primeiro momento. Seu ingresso na chapa socialista encabeçada por Eduardo Campos, por meio de um partido, a rigor, ainda inexistente, foi estratégico para impulsionar a campanha de Campos à Presidência da República, emprestando-lhe sua popularidade e seu capital político. A ninguém passava despercebido que Campos se esforçava visivelmente para tornar-se tão ou mais conhecido quanto sua companheira de chapa.
A presença remodelada de Marina Silva na corrida presidencial põe sob os holofotes questões outrora abafadas, em parte em virtude do papel aparentemente secundário que a candidata parecia desempenhar frente à titularidade de Campos na chapa PSB-Rede. A recomposição da chapa determina a maior parte delas. Passado o trauma inicial do desaparecimento súbito do candidato e realinhadas as forças políticas no interior da aliança, não obstante, tende a despontar a mais importante delas, particularmente diante da possibilidade concreta de redefinição de todo o cenário eleitoral e – não seria de todo ousado imaginar – e de assunção de Marina Silva à Presidência da República: a visão de Estado propugnada pela chapa PSB-Rede.
O programa da aliança propõe reconstruir o Estado brasileiro em moldes que eliminem o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo. Características essas que, segundo ambos os partidos, são as responsáveis pela deterioração dos serviços públicos, do aumento da corrupção, da violência urbana e do uso da máquina administrativa como forma de promoção pessoal e partidária. Para tanto, sugerem diretrizes como: 1) o Estado e a Democracia de Alta Intensidade, materializados na: i) reforma política; ii) na reforma administrativa; iii) e no federalismo equilibrado entre todos os entes, que propicie, principalmente, a cooperação interfederativa; 2) a Economia Sustentável; 3) a Educação, Cultura e Inovação; 4) as Políticas Sociais e Qualidade de Vida; 5) e o Novo Urbanismo e o Pacto Pela Vida.
Como se percebe, não são temas novos, tampouco inovam em suas particularidades. A reforma política, por exemplo, é explicitada pelo fim da reeleição, pelo barateamento das campanhas políticas e pela instituição de candidaturas avulsas. A reforma administrativa, por sua vez, restringe-se a assuntos como o fortalecimento da meritocracia, a diminuição de cargos de livre provimento na Administração Pública à modernização dos instrumentos de controle e de transparência. Há, contudo, outro ingrediente importante, porém não menos inovador, que é a inclusão da tecnologia como fortalecedora da democracia.
Em que pesem as boas intenções de Marina Silva, suas diretrizes são fomentadas por argumentos que se aproximam muito mais de princípios do que propriamente de teorias e modelos, o que desqualifica boa parte dos argumentos que expõem. Em outros termos, as propostas do PSB-Rede, como corrente ideológica que visa se firmar como “terceira via”, é uma compreensão mais detalhada do mundo contemporâneo, somada a uma intersecção entre a social-democracia clássica e o neoliberalismo; características essas que sintetizam a tão criticada nova social-democracia. Isso explica por que seus defensores, geralmente, optam pela combinação de linhagens de políticas públicas já existentes em detrimento de modelos que busquem inovar aqueles que consideram defasados. A questão principal, entretanto, não é a carência intelectual do programa de governo de Marina Silva, mas, sim, o risco que ela impõe ao País ao tornar a política passional quando propõe diretrizes que muito bem poderiam ser encontradas em algum parágrafo de A Utopia, de Thomas Morus.
Em 10 de agosto de 2010, quando subiu à bancada do Jornal Nacional da Rede Globo para ser sabatinada, Marina Silva já demonstrara ser uma defensora de princípios e não de teorias. Ao ser questionada sobre a dificuldade de ver aprovadas proposições no Congresso Nacional em virtude de não compor coligação com nenhum outro partido – o Partido Verde, à época, optou pela candidatura avulsa -, Marina Silva alegou ser mais fácil formar alianças após sua eleição do que durante o pleito eleitoral, na medida em que não possuiria acordos preestabelecidos, o que lhe garantiria margem para negociar e governar com todos os partidos com representação no Parlamento, inclusive com o PT e o PSDB. Durante a mesma sabatina, a então candidata foi pouco precisa quando questionada sobre outros temas – fato que se repetiu em quase todos os debates e sabatinas dos quais Marina participou em 2010.
Novamente, é importante que se ressaltem as virtudes de Marina Silva, bem como suas boas intenções. Mas é igualmente importante que se ateste que os problemas que ela busca solucionar jamais serão resolvidos apenas com princípios. Os desafios impostos ao Brasil são estruturais e conjunturais. Ainda que os vícios sociais possam ser combatidos com exemplos, o mesmo não ocorre com inconvenientes circunstanciais. Para estes, são necessárias soluções específicas, emergentes e que, principalmente, possam transmitir segurança e precisão àqueles que serão diretamente afetados. E é justamente esse o problema em relação ao modo como Marina Silva coloca-se perante o País: estabelece diretrizes que aponta para os problemas nos mais diversos âmbitos da sociedade brasileira, mas é imprecisa quando instada a detalhar o que de fato faria se fosse alçada ao posto de Presidente da República.
Por fim, mais do que ter que buscar um projeto de governo em detrimento de um projeto de refundação nacional, Marina Silva, se quiser ser eleita e lembrada como uma Estadista, precisa ter ciência da racionalidade que ronda a política. Se ao longo de suas diretrizes ela é capaz de entender a complexidade que ronda as sociedades contemporâneas, bem como o caráter individualista a elas intrínseco, estranha-se o fato de Marina Silva ignorar os mais básicos ímpetos humanos. A política, antes que de boas intenções, é feita de interesses e ambições individuais. Ignorar este fato sob o pretexto de união nacional é ignorar a própria individualidade que busca defender.
(*) Bacharel em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e diplomata
(**) Bacharel em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor legislativo da Queir

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