Sob a Névoa da Conjuntura
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Sob a Névoa da Conjuntura, por Mauricio Metri
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TER, 22/03/2016 - 12:58
Sob a Névoa da Conjuntura
por Mauricio Metri
Existem
conjunturas nacionais em que se deflagram processos sociais complexos.
Um de seus sintomas é a radicalização das posições e do debate político
em geral, assim como a simplificação de questões relevantes. Essas
conjunturas, no entanto, não se explicam somente pelas disputas entre os
grupos internos envolvidos. Também não se esgotam pelas conspirações
diárias do jogo político nacional, embora sejam estas um de seus
elementos mais importantes.
Pode-se
supor que perpassam, sobre essas conjunturas, dinâmicas mais profundas,
que atuam de modo mais silencioso. Forças que, em geral, não são
percebidas claramente no cotidiano, mas que podem balizar o “presente” e
“energizar” os atores em luta. São forças de caráter mais perene, de
movimentos lentos, depreendidas e ponderadas sobretudo quando analisadas
com lentes de maior alcance, voltadas a espaços dilatados (tabuleiros
internacionais) e a tempos mais longos (de décadas ou mesmo séculos).
Mas
o que permite supor a existência de tais forças? Há alguns anos os
governos Lula e Dilma implementaram algumas iniciativas estratégicas
“não-convencionais” sobre temas sensíveis na área internacional
(sobretudo defesa, petróleo e finanças), com desdobramentos complexos em
tabuleiros maiores. Embora tenham sido realizadas com base em
estratégias de não confrontação, essas iniciativas têm acarretado
antagonismos em contextos de assimetrias desfavoráveis ao Brasil, com
“agravante” de que, quando pensadas em conjunto, revelam um outro
significado, porque existem, em torno delas, fios que as articulam e
multiplicam seu potencial perturbador. Ademais, começaram a vir à tona
algumas evidências de articulações internacionais de protagonistas
internos.
Adverte-se
desde logo que nem é preciso avaliar em detalhes o grau de sucesso ou
não das iniciativas do governo brasileiro nessas áreas. Algumas não
geraram os efeitos esperados, outras são incipientes, parte sofreu
ajustes, embora algumas ocasionaram consequências não desprezíveis. Em
geral, sobre temas sensíveis, quando algumas iniciativas são assumidas e
efetivadas em algum grau, é o suficiente para, como no caso do Brasil,
por suas características geográficas, gerar oposições e tentativas de
veto de potências estrangeiras. São reações e comportamentos “naturais”
ao sistema, decorrentes da própria crônica relação de insegurança e
ameaça entre os estados, por conta da pressão competitiva e sistêmica
que os impele "para frente", num “jogo” em que a projeção de um
representa perdas de posições relativas para outros.
Geopolítica, Segurança e Defesa
Em
2005, inaugurou-se a Política Nacional de Defesa e, em 2008, a
Estratégia Nacional de Defesa. Decerto, defesa e segurança são os temas
mais delicados no campo das relações internacionais desde o nascimento
do sistema interestatal capitalista no longo Século XVI. Daí emanam suas principais hierarquias e suas mais importantes forças propulsoras.
Mas,
para a conjuntura política brasileira atual, qual a relevância dessa
iniciativa? O significado está no seu antagonismo em relação à antiga
geoestratégia estaduniendese para todo o Continente Americano.
Apesar
de diversas adequações ao longo do tempo, sua síntese foi elaborada por
Nicholas Spykman em 1942. Para o geopolítico, a 1º linha de defesa dos
EUA deveria ser deslocada do Continente para as bordas da Eurásia com
objetivo de assegurar o equilíbrio de poder naquela região. A política
externa deveria, assim, deixar de ser influenciada pelo isolacionismo e passar a ser balizada por parâmetros intervencionistas.
Essa
formulação não era propriamente uma novidade histórica. A Doutrina
Monroe de 1823 identificava todo o Continente Americano como o perímetro
de segurança dos EUA. Recuando ainda mais no tempo, é possível
encontrar evidências dessa visão nos discursos dos “pais fundadores” da
nação, a partir da idéia de que os Estados Unidos nasceram para ser o
árbitro das relações políticas entre o velho mundo (a Europa) e o novo
mundo (as Américas).
Em
1991, mesmo com a reformulação de sua doutrina de segurança, com o fim
da Guerra Fria, os EUA não abandonaram suas preocupações com as
Américas, pois, desde o governo de Bush (pai), passaram a se orientar
por uma ativa atuação contra o aparecimento de potências regionais que
pudessem concorrer com eles em qualquer região do mundo. A Política de
Bush (filho), após os atentados de 2001, radicalizou e consolidou a
idéia de ataques e ações preventivas onde se localizassem ameaças à
segurança do país. Há, portanto, um antigo e quase perene entendimento
geopolítico dos EUA para o Continente Americano.
Uma
das novidades consiste na sofisticação das formas de atuação dos EUA
depois de 1991. Ao invés de priorizar o emprego de efetivos militares em
confrontos diretos, tem-se valorizado cada vez mais a manipulação da
opinião pública local, por meio do domínio da informação, baseado na
utilização de propaganda e ações psicológicas destinadas ao controle
social, político e militar, onde grupos locais descentralizados assumem o
exercício de ações operacionais. Essa estratégia difundiu-se após os
Atentados de 11 de setembro em nome do combate ao “terrorismo”. A troca
do “inimigo” ou da “ameaça” a ser combatida não muda a dinâmica do jogo,
terrorismo, narcotráfico, corrupção, ou o que convier. A ideia é
confundir e manipular as populações locais sobre as fronteiras do que
realmente está em disputa, municiar grupos locais responsáveis por
operações, e realizar ações em nome de uma “causa” que permitam vitórias
em outros campos e confrontos.
Na
outra ponta dos antagonismos em sugestão, encontram-se os recém criados
Plano e Estratégia Nacionais de Defesa do Brasil, que foram elaboradas
com base no conceito de “entorno estratégico”, cuja ideia chave é
irradiar sua influência e promover o desenvolvimento econômico e a
segurança de sua região próxima (América do Sul, Atlântico Sul e Africa
Ocidental), de modo a estabiliza-la e, sobretudo, de forma a evitar a
presença de potências externas. Alterou-se estruturalmente a ênfase da
agenda de segurança nacional. Em detrimento das ameaças internas
(primeiro, comunismo; depois, terrorismo e narcotráfico) como pautado
pelos EUA desde a 2º Guerra Mundial, priorizaram-se as ameaças externas
(sobretudo de potências estrangeiras) e a busca por autonomia e controle
de recursos naturais estratégicos (destaque para o pré-sal e a
Amazônia).
Implementaram-se
políticas para o desenvolvimento interno da base da indústria de
defesa; a constituição de uma força dissuasória externa (como o caso do
projeto de submarino nuclear); e a cooperação com os países da região,
seja a integração econômica regional (como a reformulação do Mercosul),
seja uma agenda de segurança regional (como a criação da Unasul).
Trata-se
de iniciativas divergentes não só à tradição brasileira de alinhamento à
potência hegemônica (a despeito de exceções históricas importantes),
como também aos interesses geoestratégicos da principal potência do
sistema.
Qual
seria, então, a relação entre a geoestratégia estadunidense, a política
nacional de defesa e a atual conjuntura de crise no Brasil? Algumas
evidências começam revelar, por exemplo, que ocorreram contatos da
Procuradoria Geral da República, em conjunto com integrantes equipe da
operação Lava Jato, com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos,
quando foram passados informações secretas (frutos de espionagem) sobre o
Programa Nuclear Brasileiro e a Petrobrás. Nas palavras do jornalista
Luis Nassif, trouxeram “de lá informações que explodiram na
Eletronuclear, depois de encontro com advogada do Departamento de
Justiça ligada a escritório de advocacia que atende o segmento nuclear
por lá.” (Ver:http://jornalggn.com.br/
Como
resultado dessas trocas de informações, deflagrou-se a 16º fase da
operação lava jato, denominada radioatividade, que ocasionou, por
exemplo, a interrupção por ora do projeto de construção da Usina Nuclear
de Angra 3, cuja importância transcende as necessidades de ampliação da
capacidade de geração elétrica brasileira. Angra 3 cria uma demanda
necessária por combustível nuclear, viabilizando o processo de
enriquecimento de urânio pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que
deverá atender também ao submarino ainda em construção. O Brasil é um
seis países do mundo com domínio sobre esta tecnologia sensível,
responsável por uma série de tensões internacionais graves. A referida
operação também decretou a prisão do Almirante Othon Luiz Pinheiro da
Silva, responsável pelo Programa de Desenvolvimento do Ciclo do
Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos no país. Não
cabe avaliar aqui o teor das denúncias, mas sim evidenciar o papel que
estas ações acabam por cumprir em outros tabuleiros.
Petróleo
A
partir da confirmação, em 2007, de expressivas reservas de petróleo de
considerável qualidade na região do pré-sal brasileiro, o governo Lula
aprovou, em 2010, uma nova regulamentação das atividades nessa nova
fronteira, colocando a Petrobrás ao centro do seu processo de
exploração.
O
petróleo constitui-se, desde a 1º Guerra Mundial, num dos mais
importantes recursos estratégicos. “Tornou-se, há tempos, o principal
combustível das forças armadas em geral; encontra-se ao centro da matriz
de transporte de praticamente todo o mundo; e tem uso difundido e
diversificado nas mais diferentes cadeias produtivas.” (Verhttp://outraspalavras.net/
Por
ser um recurso escasso à maioria dos países, o petróleo adquiriu
considerável importância nas relações internacionais. “É amplamente
utilizado no 'jogo diplomático' como arma de pressão, retaliação,
dissuasão, apoio ou sustentação, cujos cálculos, interesses e
iniciativas respondem às disputas geopolíticas inerentes à competição
interestatal.” (ibid.) Ademais, as receitas decorrentes de sua
exportação possuem uso estratégico potencial para flexibilização das
restrições à capacidade de importação de um país.
A
nova legislação para o pré-sal (Lei 12.351 de 2010) significou um
avanço, sobretudo porque o seu Artigo 12º resguarda ao governo a
possibilidade de entregar à Petrobrás, sem necessidade de leilão, áreas
mais promissoras, “visando à preservação do interesse nacional e ao
atendimento dos demais objetivos da política energética”.
O
pré-sal ao resguardo da legislação de 2010 potencializa a atuação da
política externa brasileira, que, desde 2003, está voltada a uma
inserção mais autônoma do país, com base na defesa do multilaterismo,
priorizando o eixo sul-sul e o seu “entorno estratégico”. Há uma
sinergia em potencial com força perturbadora nada desprezível quando se
articulam as iniciativas de uma política externa independente e um
controle mais efetivo do estado sobre expressivas reservas de petróleo,
seja para a garantir a segurança energética do país ou de aliados, seja
para utilizá-la como instrumento de suas relações com outras nações,
seja também como fonte em potencial para se contornar, quando oportuno, o
problema da escassez de divisas, via exportação de petróleo.
Desde
os vazamentos de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos
EUA, em julho de 2013, pelo ex-técnico Snowden, tornou-se público que a
Petrobrás há tempos é alvo de espionagem. É provável que tenham ocorrido
o repasse dessas informações aos operadores da Operação Lava Jato, que
acabaram por criar uma conjuntura que tem fragilizado a própria empresa
para além do necessário à averiguação de responsabilidades por
malversações, forçando-a a se desfazer de ativos estratégicos e
comprometendo a cadeia produtiva ligada a ela. Produziu-se também o
contexto político adequado para se iniciar o processo de revisão do
marco regulatório de 2010, ora já aprovado no Senado e na pauta da
Câmara dos Deputados. Em nome do combate à corrupção, acaba-se por
retirar do Estado brasileiro sua capacidade de iniciativa estratégica no
setor, atendendo aos objetivos geopolíticos de outros países e de suas
respectivas empresas nacionais.
Possíveis
conexões entre interesses estratégicos estrangeiros e a operação lava
jato foram bem observadas, mais uma vez, pelo jornalista Luis Nassif.
“De repente, um juiz de 1º instância em Curitiba, Sérgio Moro, tendo
como fonte de informação apenas um doleiro, Alberto Yousseff, tem acesso
a um enorme volume de informações sobre a Petrobras e consegue
nacionalizar um processo regional. (…) Até hoje a Lava Jato não revelou
como chegou às primeiras informações sobre a Petrobras, que permitiram
expandir a operação para todo o país.” (Ver:http://jornalggn.com.br/
Moeda e Finanças Internacionais
O
Brasil, no âmbito dos BRICS, tem participado de iniciativas ousadas no
que se refere ao ordenamento monetário internacional, outro tema
sensível entre as grandes potências.
No
final do Século XIX, a Inglaterra logrou um feito original até então:
impôs sua moeda nacional como a de referência internacional. Depois de
um processo histórico secular, seu coroamento ocorreu com término da
Guerra Franco-Prussiana (1870-71), por meio do enquadramento da França e
a adesão Alemanha de Bismark ao padrão libra-ouro em 1872.
Cada
etapa da internacionalização da libra teve como resultado a alavancagem
da capacidade de gasto do estado inglês. A demanda por ativos
denominados em libra, sobretudo moeda e títulos da dívida pública
inglesa, cresceu de modo desproporcional. Estes ativos foram
transformados no principal instrumento de estabilização para as demais
economias nacionais. Grosso modo, o acúmulo de reservas denominadas em
libras permitia-os contornar os problemas nas contas externas, ao mesmo
tempo em que ampliava a capacidade de endividamento do estado inglês.
Não menos importante, o sistema passou a funcionar de modo estabilizador
à economia inglesa e de forma instável às demais economias por conta da
liberdade de movimentos dos capitais.
No
entre-guerras, ocorreu uma disputa político-diplomática entre a
Inglaterra e Estados Unidos sobre a moeda de referência internacional.
Nas negociações de Bretton Woods, em 1944, os Estados Unidos garantiram
para si o “privilégio exorbitante” de que gozavam os ingleses. Desde
então, a diplomacia monetária dos Estados Unidos seguiu sendo orientada
pela mesma estratégia: veto e oposição permanente a qualquer iniciativa
de substituição do dólar como moeda de referência internacional,
sobretudo nas instituições financeiras multilaterais (FMI e Banco
Mundial) criadas em 1944; e “precificação” em dólar de mercadorias
estratégicas globais (petróleo, sobretudo).
Ao
longo da história do Banco Mundial e do FMI é possível observar uma
certa coerência entre as modalidades e as exigências relativas às
operações financeiras dessas instituições e a política externa dos
países do centro, em especial a dos EUA, o que balizou a atuação dessas
instituições aos objetivos estratégicos deste país.
Nesse
contexto, chamam atenção as iniciativas dos BRICS no campo financeiro
internacional, sobretudo no que se refere à criação de instituições
semelhantes ao FMI e ao Banco Mundial, mas cujo controle será
compartilhado por um conjunto de países que antagonizam com os EUA em
outras áreas sensíveis. Envolvem dois dos principais rivais dos Estados
Unidos no campo militar, Rússia e China; além de Índia, Brasil e África
do Sul.
A
criação do Arranjo de Contingência de Reservas (uma espécie de “FMI dos
BRICS”) e o Novo Banco de Desenvolvimento (o “Banco dos BRICS”)
permitirá aos países com dificuldades em seus Balanço de Pagamentos o
endividamento em moeda estrangeira fora da alçada de influência e do
controle das instituições consagradas nos Acordos de 1944. Em caso de
sucesso e projeção global, essas instituições financeiras dos BRICS
ganham potencial para, em outro momento, pressionarem a própria
hierarquia monetária internacional atual, por meio da difusão do uso de
uma moeda de referência diferente do dólar norte-americano.
Observa-se,
por fim, que a VI Cúpula dos BRICS ocorreu em Fortaleza, em julho de
2014, onde se anunciou a assinatura do Acordo constitutivo do Novo Banco
de Desenvolvimento e do Tratado para o estabelecimento do Arranjo
Contingente de Reservas. Aos olhos de outros, a foto de encerramento da
Cúpula não passou despercebida. A presidenta Dilma estava ao centro dos
presidentes da Rússia, V. Putin, e da China, Xi Jinping, cercados, por
sua vez, pelo primeiro-ministro indiano, N. Modi, e o presidente da
África do Sul, J. Zuma.
Arrematando,
não é com indiferença que potências estrangeiras analisam as
iniciativas de projeção internacional do Brasil por meio de uma política
externa autônoma e de uma política de defesa organizada com base em
ameaças externas, articuladas a instrumentos militares assentados em
energia nuclear, tendo por trás reservas expressivas de petróleo,
garantidoras da segurança enérgica nacional, com potencial de uso
enquanto instrumento de política externa e, também, como instrumento
para reforçar, quando conveniente, as reservas internacionais em moeda
estrangeira do país. Alguns dos alvos da operação lava jato
constituem-se pilares deste conjunto de iniciativas. Sob a névoa das
disputas políticas domésticas, as conexões estrangeiras da operação
lava-jato ainda não estão claras, mas seus efeitos já se fazem sentir.
Mauricio Metri - Professor de Economia Política Internacional da UFRJ.
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