sexta-feira, 25 de junho de 2021

 VERDADES...

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA OU A BANALIDADE DO MAL

“Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo; quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com rapidez; quando se puder assistir em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico no oriente; quando tempo significar apenas rapidez online; quando o tempo, como história, houver desaparecido da existência de todos os povos, quando um esportista ou artista de mercado valer como grande homem de um povo; quando as cifras em milhões significarem triunfo, – então, justamente então — reviverão como fantasma as perguntas: para quê? Para onde? E agora? A decadência dos povos já terá ido tão longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a decadência simplesmente como… Decadência."
Heidegger, 1953


Em tempos de Cunha, Malafaia, Everaldo (o Pastor), Azevedo (o Reinaldo), Constantino, Sherazade, Gentili, Bolsonaro, Feliciano, Olavo, Lobão e outras figuras sui generes da turma do deixa disso, escolher a ingestão, em doses cavalais, de noticiários, redes sociais e colunas de jornais é o caminho do óbito. Certamente, nunca antes a ignorância andou titubeando tanto sobre a linha que separa a benção da maldição como agora.

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Por vezes testo minha saúde cardíaca lendo coisas que se assemelham ao veneno para baratas: demoram para matar, mas cada aplicação vai deixando cada vez mais tonto. A lista de absurdos é longa e não vale à pena dar mais Ibope às mediocridade da turma à direita de Hitler. Vida que segue. Como disse Martin Luther King, o problema não é o grito dos maus.

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Tenho acompanhado com perplexidade a marcha da ignorância, da barbárie, da hipocrisia, do retrocesso, do preconceito e do medievalismo em pleno terceiro milênio. Não se trata mais de divergir em idéias, mas sim de asfixiar os contrários com o veneno doce do moralismo e da tradição. Mas "tudo o que é sólido desmancha no ar", e a ausência de argumentos racionais fere o brio da guarda dos valores cristãos e do status quo. Aliás, ausência de argumentos não pode mais ser usado com exclusividade para definir a blitz dos Olavetes; falta humanidade mesmo.

O pior é que se tem uma coisa que o cara lá de cima distribuiu de maneira equânime foi o bom senso, porque nunca ouvi ninguém reclamando que não tem. Ai já viu né? absurdos e mais absurdos de "bom senso" despejados como verdades sacras e imutáveis. E tem mais: quem for contra a corrente corre sérios riscos de sofrer ataque moral e pessoal, e até físico, ora como não! Que tempos são esses?

Ouvi a pouco tempo de um amigo que "a política não pode ir contra a cultura". Quanto mais eu penso nessa frase mais concluo que só há duas soluções que equacionam meu problema: ou eu não entendo nada de política ou política não serve para nada. Penso que se assim fosse, ainda viveríamos uma escravidão ou algo parecido, as mulheres seriam apenas domestica(da)s e estaríamos apanhando dos militares. Ou não, vai saber.

O que penso ser inegável é que a inquisição ainda não acabou. Os valores cristãos continuam a moldar a opinião pública, a conduzir os debates políticos, a distinguir certo de errado. Elegemos um congresso que anda mais preocupado com o conceito de família do que em ajudar famílias em tempos de crise, e a musa das mil e uma noites da direita, apoia o espancamento de jovens infratores na segunda depois de ter dado "glória a deus" no domingo. E ela não é a única. Basta uma lida de dez minutos em blogs como o do homem que excita o grande Laerte Coutinho (para quem não viu, olhar blog do Reinaldo Azevedo no Veja.com), para sentirmos o tom: baixaria, degradação e insultos são a tônica. E esses são os mais lidos, os divulgados, os intelectuais do nosso tempo, os assistidos, os admirados. E nem precisa levantar a bandeira do "deus pai todo poderoso" para defender a fogueira. Bertrand Russell em seu livro Por que não sou cristão dedica um capitulo para falar "sobre os céticos católicos e protestantes". A cultura religiosa está entranhada na sociedade. Oxalá!

Decidi intitular esse texto com duas belíssimas obras que merecem ser lidas: uma do grande José Saramago e a outra da maravilhosa Hannah Arendt. Ambas se encaixam muito bem na lógica desse texto. Mas deixarei as ilações por conta de cada um. O que me cabe dizer é que nossa sociedade está acometida por um mal epidêmico, que distorce a clareza de julgamento, que macula as relações interpessoais e que desqualifica nossa espécie. A fabulosa Eliane Brum intensifica o discurso da Hannah e sugere, sobre o mal, que não é mais apenas uma questão de banalidade mas também de boçalidade. (aos interessados, pesquisar texto "a boçalidade do Mal)

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Por fim, escolho receitar, tal como remédio para cardíacos, as marcantes palavras do Soldado americano Leonardo Matlovich, condecorado por sua atuação na Guerra do Vietnã e expulso por causa de sua homossexualidade. Que estas palavras sirvam de constante reflexão para que possamos vencer a cegueira e superar o mal, e todas as suas nuances, seja de banalidade ou de boçalidade.

"A Força Aérea me condecorou por matar dois homens no Vietnã e me expulsou por amar um.”

Namastê!


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