terça-feira, 8 de abril de 2014

SEGURANÇA E CIDADANIA.

Opinião

Por uma segurança pública em defesa da vida e da cidadania

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Segunda, 31 Março 2014
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Leia o artigo publicado pelo Observatório de Favelas sobre a ocupação da favela da Maré
 
As manchetes dos jornais, nos últimos dias, foram tomadas por matérias sobre os conflitos estabelecidos nas favelas que contam com a ocupação policial – as UPP´s. No domingo, dia 9 de março, a principal chamada do jornal O Globo noticiava que o secretário de segurança pública do Rio de Janeiro apresentava a opção de ampliar a militarização como possível solução para aqueles problemas.
Os principais locais nos quais os problemas aparecem com mais destaque na imprensa, em geral, são Rocinha e Alemão. Policiais mortos, feridos, conflitos, atos dos moradores, repressão policial e ampliação da presença dos grupos armados nos territórios.
Na entrevista concedida pelo Secretário José Mariano Beltrame, ele considera a possibilidade de incluir as forças armadas e a polícia federal no processo de ocupação. Em sua perspectiva, toda a solução dos conflitos passa pela ampliação da presença da polícia e de outras forças militares. Esse pressuposto e a estratégia que dele deriva devem, todavia, ser problematizados.
Para nós, do Observatório de Favelas, não está em questão manter ou não as UPP´s. Ela representa um inequívoco avanço no sentido de se romper com a histórica “guerra de extermínio” que caracteriza a ação policial carioca, em particular, e a brasileira, em geral. Por outro lado, discordamos dos que consideram que apontar limites nesse tipo de estratégia seria defender os interesses dos grupos criminosos ou sua retomada do controle das favelas ocupadas. O que está em foco é como superar os limites presentes nas ações das UPP’s, como torná-las mais estruturantes e capazes de contribuir na construção de uma política de segurança pública nas favelas que balize, inclusive, a estabelecida nos outros espaços da cidade.
O principal limite das UPP’s é, justamente, sua ênfase na ação policial militarizada, focada no controle do território e das práticas cotidianas dos moradores. De fato, a preocupação maior do Estado com essa intervenção não é garantir a segurança pública dos moradores das favelas nos mesmos termos do conjunto da população da cidade: a relação com os moradores ainda é mediada pelas armas; não existem mecanismos de mediação de conflitos em que se reconheça que não cabe ao policial – parte fundamental do conflito – cumprir esse papel e os moradores são vistos como parte do problema e não da solução em relação ao seu direito à segurança pública.
Outro grande limite na ação das UPP’s, corolário do apontado no parágrafo anterior é a extrapolação do papel das forças policiais. Não cabe ao policial resolver questões sobre licenciamento de motos, alvará para estabelecimentos comerciais, liberação de eventos etc. A prefeitura, assim como outros órgãos do governo estadual, precisam cumprir seu papel de forma efetiva. O protagonismo exacerbado das forças militares é o limite estrutural da estratégia das UPP’s. Os recentes problemas que acontecem com a ocupação militar já estavam sendo incubados há tempos, em função da postura das forças policiais e da falta de ação do Governo do Estado e da Prefeitura na construção de uma ação integrada e que envolvesse a população local nas soluções para a afirmação de seus direitos.
Nesse sentido, lamentamos profundamente as vidas perdidas nos últimos confrontos, sejam as de policiais ou de civis. Nenhuma justificativa pode ser aceitável para essas perdas. Do mesmo modo, consideramos inaceitáveis as ações policiais, veiculadas na TV e nas redes sociais, no Alemão e na Rocinha. Principalmente, a prática repressiva e truculenta com que a polícia tratou os moradores no ato do dia 11 de março, no Complexo do Alemão. Quando assim agem, as forças do Estado estão substituindo a dominação criminosa por uma dominação policial sem compromisso com os direitos dos moradores.
A explicação fundamental para essas tensões e conflitos decorre, justamente, dos limites estruturais presentes na estratégia de intervenção centrada na pacificação militar. E isso é muito grave. O fracasso das UPP’s será muito ruim para os moradores das favelas ocupadas e para o conjunto da cidade. E ele será inevitável caso se mantenha a lógica absolutamente militarizada que atualmente orienta sua implantação e desenvolvimento; se o protagonismo militar não for reduzido; se não forem criados meios de participação comunitária na regulação dos espaços públicos das favelas e se não for realizado um amplo programa de garantia dos direitos fundamentais dos moradores das favelas. A construção desse processo exige resignificar o processo de ocupação que tem sido desenvolvido até aqui e ampliar o seu alcance e profundidade.
É preciso construir esta ação como uma política de Estado voltada para a defesa da população. Tal prática, por sua vez, exige ouvir o conjunto da população da cidade e principalmente as pessoas que vivem nos territórios nos quais chegam as UPPs. Trata-se de reconhecer a soberania do território a partir dos interesses dos seus moradores e não apenas a partir do controle policial.
Cabe ao Estado estimular a criação de instrumentos de garantias de direitos e políticas públicas. O que pressupõe, necessariamente, uma relação com a população centrada no diálogo, no respeito, na construção de espaços permanentes de negociação e instrumentalização de alternativas.
Construir tais espaços, colocar em prática um conjunto de direitos e dialogar com a população local são medidas necessárias para que a aproximação policial não seja uma investida bélica. Os territórios devem ser integrados ao conjunto de relações sociais, políticas e democráticas que predominam na cidade.
Portanto, não cabe ao secretário de segurança tratar de forma exclusiva das UPP’s. O Governo do Rio de Janeiro deve assumir sua responsabilidade, e ser responsabilizado, pelos problemas que vêm ocorrendo nesses territórios. Cabe a ele construir políticas, nos termos aqui assinalados, que superem a lógica da militarização e reconheça que o direito à segurança pública é importante demais para ficar apenas nas mãos da polícia.
Fonte: Observatório de Favelas
Fotos: Agência Brasil

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