terça-feira, 20 de maio de 2025
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Como o Hamas se tornou a principal organização palestina na resistência contra o sionismo
POR Breno Altman
Quase quatro décadas após sua fundação, o Hamas está claramente reconfigurada. O grupo islâmico permanece longe de ser marxista ou socialista, mas não há duvida de que se tornou um dos movimentos anti-imperialistas e anticoloniais mais combativos de nossa época.
Extraído do livro Entendendo o Hamas e por que isso é importante, de Helena Cobban e Rami G. Khouri (Autonomia Literária 2025).
OMovimento de Resistência Islâmica, ou Harakat Al Muqawama al Islamia, batizado como “Hamas”, a principal organização palestina na Faixa de Gaza, merece ser conhecido mais amplamente, pelo peso que veio adquirindo na luta contra o colonialismo sionista.
A obra de Helena Cobban e Rami G. Khouri é enorme contribuição nesse sentido, ao iluminar a origem e a trajetória desse grupo de rara conformação, no qual se integram o fundamentalismo religioso, a assistência social, a luta política e a ação militar. Suas características específicas, aliás, provocam enorme confusão e preconceito, particularmente em quem foi educado pelos moldes do Iluminismo europeu.
Afinal, o Hamas é de esquerda ou de direita? Trata-se de uma organização anti-imperialista ou está a serviço da burguesia árabe-palestina? Tem um projeto de emancipação nacional ou representa uma alternativa de supremacia étnico-religiosa semelhante ao próprio regime sionista? Essas e outras são perguntas de extremo interesse, para as quais o leitor poderá encontrar respostas ou pistas nas páginas do livro Entendendo o Hamas e por que isso é importante.
“As raízes fincadas entre as camadas mais sofridas trouxeram para o interior de mesquitas e santuários a vontade de combate que proliferava nas ruas.”
O surgimento
Antes de mais nada, o Hamas não pode ser compreendido fora do contexto histórico. Fundado a partir de uma costela palestina da Irmandade Muçulmana, dedicada à pregação religiosa e às obras de caridade, esse movimento nasceria imerso na intensa politização da juventude palestina nos anos 80 do século passado. Os jovens, então, viviam submetidos à ocupação militar israelense, cada vez mais brutal, e a sentimentos de frustração com a antiga liderança agrupada na Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em sua maioria vivendo no exílio.
O espaço religioso, menos exposto à violência sionista naquela época, foi o reduto natural para que uma nova geração adotasse as trincheiras da libertação nacional, concentradamente na Faixa de Gaza, vizinha ao Egito, onde estava sediada a matriz islâmica da organização. As raízes fincadas entre as camadas mais sofridas trouxeram para o interior de mesquitas e santuários a vontade de combate que proliferava nas ruas.
Não é à toa que a fundação do Hamas coincide, no tempo, com o início da Primeira Intifada, em 1987, irrompida em Jabalia, a quatro quilômetros da cidade de Gaza, quando um caminhão do exército israelense colidiu com um carro civil, resultando na morte de quatro palestinos. Foram seis anos de duros enfrentamentos, durante os quais a nova organização ganharia músculos e projeção, movimentando-se pendularmente entre alianças e conflitos com os partidos integrantes da OLP.
Naquele período, se lermos os estatutos e o programa iniciais do movimento, notaremos forte predomínio de ideias religiosas, jihadistas, que pouco distinguiam, entre outros temas, a diferença entre judeus e sionistas. A luta de libertação assemelhava-se, nesses documentos, a uma guerra santa, entre povos e religiões, contrapondo-se à cultura laica e nacionalista dos dirigentes históricos da resistência, muitos sob forte influência marxista.
“Ao vencer as eleições de 2006 e passar a comandar o governo da Autoridade Palestina, com Ismail Haniyeh exercendo a função de primeiro-ministro, o movimento renovava sua identidade, afirmando-se como uma referência anticolonial para além da religião.”
Com os Acordos de Oslo, de 1993, uma clara divisão se estabelece entre os grupos palestinos, induzindo aceleradamente a incursão do Hamas no reino da política. De um lado, correntes favoráveis ao pacto, reconhecendo a legitimidade de Israel, renunciando à luta armada e aceitando a constituição gradual do Estado Palestino em apenas 21% do território delineado em 1947. De outro, coletivos que repudiavam esse caminho, entre os quais grupos internos da OLP que iriam se aliar ao Hamas na frente da rejeição.
A experiência de coalizões com agrupamentos laicos e marxistas teria relevância durante os anos 1990, permitindo ao partido islâmico amadurecer posições e definir melhor a relação entre política e religião, em boa medida caminhando para uma secularização prática, embora banhada pela narrativa muçulmana. A Segunda Intifada, de 2000 a 2005, seria a vitrine dessa nova etapa do Hamas.
A essa altura, o Hamas já operava com três braços relativamente autônomos: um para a execução de serviços sociais, outro para a luta político-eleitoral e um terceiro para o confronto militar. Ao vencer as eleições parlamentares de 2006 e passar a comandar o governo da Autoridade Palestina, com Ismail Haniyeh exercendo a função de primeiro-ministro, o movimento renovava sua identidade, afirmando-se como uma referência anticolonial para além da religião.
Queda e reascensão
De curta duração, pois seria deposto em 2007 pelo presidente Mahmoud Abbas, o gabinete Haniyeh chegou mesmo a apresentar, embora com ressalvas, um pacto de transição pacífica, mas acelerada, nos termos fixadas em Oslo, tendo como objetivo imediato o pleno estabelecimento de um Estado Palestino. A pressão israelense e estadunidense, à qual sucumbiria a Autoridade Palestina, não aceitava, sob qualquer hipótese, que as forças mais radicais da resistência pudessem governar.
Fora do governo, o Hamas expulsaria da Faixa de Gaza os seguidores do Fatah, partido hegemônico da Autoridade Palestina, e assumiria a direção integral do enclave. Imediatamente o regime sionista estabeleceria um cerco por terra, mar e ar, contra o qual se confrontaria por mais de quinze anos, acumulando forças para a abertura da Terceira Intifada, em 7 de outubro de 2023.
“Claro que permanece longe de se integrar à família marxista ou socialista, mas tampouco se pode duvidar que o Hamas se afirmou como um dos movimentos anti-imperialistas e anticoloniais mais combativos de nossa época.”
A partir desse momento o Hamas se tornaria o principal protagonista da luta palestina, em uma batalha heroica que custou mais de 50 mil vidas, mas colocando o Estado de Israel contra as cordas e impulsionando a solidariedade com a causa palestina ao seu maior patamar histórico.
Quase quatro décadas depois de sua fundação, a organização islâmica está claramente reconfigurada. Claro que permanece longe de se integrar à família marxista ou socialista, preservando valores e políticas fortemente contestáveis pela esquerda. Tampouco se pode duvidar, no entanto, que o Hamas se afirmou como um dos movimentos anti-imperialistas e anticoloniais mais combativos de nossa época.
Por essas e outras razões, Entendendo o Hamas é um livro precioso e indispensável.
Sobre os autores
Breno Altman
é jornalista e fundador do site Opera Mundi.
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