terça-feira, 21 de janeiro de 2025
EVOÉ MOMO...
No carnaval de Yeshua, o santíssimo trisal de Pomerode quebra o coco e arrebenta a Sapucaí
"Alguém avisa a Alcione que o samba ainda não morreu, mas a branquitude quer queimá-lo vivo na fogueira da santa apropriação cultural", escreve Nêggo Tom
20 de janeiro de 2025, 15:50 h
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Desfile da escola de samba Salgueiro, do Grupo Especial do carnaval carioca, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí
Desfile da escola de samba Salgueiro, do Grupo Especial do carnaval carioca, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
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Uma influenciadora digital chamada Débora Peixoto se recusou a desfilar pelo Salgueiro porque os seus valores cristãos não permitem que ela cante um samba-enredo que fale da religiosidade africana. Segundo ela, a letra do samba lhe causou crises de ansiedade, disparou gatilhos horríveis e a fez recordar traumas de infância. Essa parte dos gatilhos eu até entendo. Principalmente depois que o padre da paróquia onde eu era músico me pediu para não cantar mais a tradicional "Glória, Glória, Aleluia!" na missa, porque essa música era utilizada pela Ku Klux Klan quando eles queimavam negros vivos. Aliás, a KKK foi fundada por protestantes evangélicos. Você sabia? Não? Procure saber.
O curioso é que a formação evangélica da influenciadora não a impede de viver matrimonialmente com duas pessoas (um homem e uma mulher) e de vender conteúdo sexual em plataformas digitais. A propósito, ela protagoniza o corte de um podcast chamado “Pagode da Ofensa”, disponível no YouTube, onde a chamada para a sua participação diz: “Levo minhas amigas para o meu marido comer”. Não que isso seja crime ou ofensa à honra de alguém, pelo menos na minha visão. Afinal, cada um come o que quiser e divide com quem achar que deve. Porém, se levarmos em conta que a formação evangélica defende a família tradicional e os “bons costumes", é meio paradoxal esse bilhete, não? A não ser que o Jesus que Débora conheceu abençoe o trisal e a pornografia. Ô, glory hole!
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Em outro episódio do mesmo podcast, cuja chamada é: “O cara foi instalar internet em casa e me comeu”, a influenciadora diz: “Ele me viu, eu fiquei com tesão e dei pra ele”, demonstrando que sua formação cristã também passa pelos ensinamentos de São Francisco de Assis, que disse que é dando que se recebe. Talvez seja esta a saída para resolver o problema do péssimo serviço prestado pelas operadoras de internet no Brasil: dar alguma coisa para receber um bom sinal. Espero não precisar chegar a esse ponto para resolver a constante instabilidade no serviço que tenho contratado com a Claro Net. Tá repreendido, em nome de Claudia Leitte!
Alguns dirão que estou dando palco para a santa padroeira do swing destilar seu preconceito e ganhar visibilidade. Pode ser. Mas considero importante sempre nos contrapormos ao domínio da narrativa que a branquitude historicamente tenta impor, sobretudo do ponto de vista cultural. E religião, antes de tudo, é cultura até se converter na fé de cada um. Com o advento das redes sociais, essa narrativa está cada vez mais disputada, até chegarmos ao ponto de reverter padrões impostos como verdades absolutas. O racismo religioso é um instrumento crucial no processo de epistemicídio sistêmico que, por muito tempo, tornou a produção de conhecimentos e saberes da negritude invisível aos olhos da história da humanidade.
O carnaval, que é a festa mais popular do país, através dos enredos das escolas de samba, promove esse resgate cultural e valoriza a ancestralidade africana e a herança cultural que ela nos deixou. Muitas das histórias contadas nesses enredos jamais serão aprendidas em sala de aula, seja em qualquer nível de ensino, pois a nossa sociedade ainda é “educada” a partir de um padrão branco de produção de conhecimento, onde o Kemet é primitivo e a Grécia é vanguarda. Não pode ser admissível que pessoas brancas convidadas a participar desta festa sabotem esse resgate e demonizem a cultura preta sob a defesa de seus “princípios” religiosos. Isso é racismo. Já não basta a capoeira ter um segmento gospel, a umbanda ter uma vertente cristianizada e o acarajé virar “bolinho de Jesus” para agradar ao projeto de poder neopentecostal?
Como já disse o “velho guerreiro” Chacrinha: a branquitude nada cria, tudo ela copia. E se apropria, não por falta de noção ou criticidade, mas por saber que detém o privilégio institucional de fazê-lo. O pacto da branquitude explica. Bem feito para este mundo das escolas de samba, cada vez mais distante das mulheres pretas da comunidade e mais próximo da nociva influência estética e financeira de uma branquitude preconceituosa e neocolonizadora. Só faltou a musa da G.R.E.S. Branquitude de Pomerode exigir que a letra do samba fosse alterada para que ela aceitasse desfilar na Sapucaí com a cor da pele que o governador de Santa Catarina mais gosta. Alguém avisa a Alcione que o samba ainda não morreu, mas a branquitude quer queimá-lo vivo na fogueira da santa apropriação cultural.
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